quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Toda cidade pequena é a mesma pequena cidade*

Sebastião Nunes

De vez em quando saio vagando feito cigano e atravesso, como se palmilhasse o deserto, pequenas cidades do interior. Passo pela pracinha da igreja – e lá está o coreto. Passo pelo supermercado – e lá estão as mesmas mulheres peladas na parede vendendo cerveja.
Passo pela rua principal – e lá vejo as lojinhas de eletrodomésticos, de tecidos, de etc. Então a cidade vai ficando vazia, chego ao subúrbio de classe média, depois ao subúrbio pobre, finalmente ao subúrbio miserável – e estou de novo na estrada, pronto para outra experiência de cidade pequena. Variantes?
Quase nenhuma. Em noite de sexta ou de sábado a pracinha está cheia de gente, os bares entupidos da eterna mocidade envelhecendo burramente nas calçadas, os carros com a traseira aberta berrando estupidez. A paquera é quase a mesma de quando eu era garoto.
Os mais espertos (ou mais ricos ou mais bonitos) ganham as garotas mais espertas (ou mais ricas ou mais bonitas). Os mais bobos ficam chupando o dedo. Isso desde que o mundo existe.
Em um ou dois restaurantes, pois há sempre um ou dois restaurantes, garçons solícitos atendem fregueses fingindo de chiques, sob decorações horrorosas. Costuma ter uma TV ligada, enorme, exibindo uma besteira qualquer.
Ou um cara armado de microfone, tentando imitar alguém mais conhecido que ele, o que não é difícil. Difícil é agüentar aquilo toda santa noite de sábado. Ou de sexta. Fazer o quê?
Assim são as cidades brasileiras, as cinco mil e tantas que oscilam de dez a cem mil habitantes, com seus artistas, seus políticos, seus líderes, suas janelas e seus heróis.
TODA CIDADE TEM UM PREFEITO
Seu pai também foi prefeito, ou seu tio, ou seu cunhado. A família tem vocação política, ou seja: são aves de rapina. Risonhos, batem nas costas, soletram nomes, contam piadas, jogam conversa fora. Plantam verde pra colher maduro. Costumam ser médicos, fazendeiros, comerciantes. Geralmente analfabetos, aprendem diante da TV o que todos os conterrâneos aprendem, de modo que assunto não falta. Bons de papo, transmitem sua falta de cultura em praça pública, entre dezenas de outros incultos. Nasceram parasitas e vão morrer parasitas. O filho ou a filha, o neto ou a neta – algum deles herdará a vocação e o poder.
TODA CIDADE TEM DOIS GALÃS
Bonitões, imitam os galãs de TV da novela da moda. Não perseguem as garotas, elas é que os perseguem. Disputam entre si quem ganha mais garotas em menos tempo. Mas só valem as discretas. A cada conquista, furam com alfinete um buraquinho na ponta do pinto, de onde brota gloriosa gota de sangue. Quando casam, depois de gordos e saciados, vigiam as filhas como barões medievais. Sabem, pela longa experiência, que homem não presta. De garanhões tornam-se afinal caretões. E olham carrancudos para os pretendentes à virgindade das filhas, frutos colhidos há séculos por primos e vizinhos em brincadeiras inocentes.
TODA CIDADE TEM TRÊS MODELOS
Freqüentam academias, empinam a bunda, exibem o umbigo. Metade do dia, estão diante do espelho, escova que escova, pinta que pinta, lustra que lustra. O resto do tempo por aqui e por ali, qualquer lugar cheio de homem é um prato cheio. Lêem revistas de gente famosa e burra, de gente da moda e ignorante, de gente da mídia e estúpida. Nunca desconfiaram que tudo aquilo é pago com sangue, suor e lágrimas, quando não com chantagem, baixaria, grossura, muito sexo – e bota nisso coisas piores, ou melhores. Quando passam dos trinta casam com quem estiver disponível. Fazem questão de levar as filhas às festas: quem sabe ainda faturam algum carente descuidado?
TODA CIDADE TEM QUATRO DOIDOS
Para todos os gostos. Tem o que só aceita de cinco reais pra cima e está quase rico apesar de esmolambado. Tem o que, pelado, lava a roupa em qualquer bica. O que dorme nos bancos da praça e come com os cachorros. E tem a grávida de todo ano, amante ocasional dos rapazes bêbados que, alta madrugada, sem terem faturado coisa alguma, admitem que tudo é lucro, fecham os olhos à fedentina e partem pro rela-rela.
TODA CIDADE TEM CINCO INTELECTUAIS
Decoraram os pronomes e guardaram dois ou três ditados em latim, quatro citações em francês, meia dúzias de frases em inglês. Publicaram artigos eruditos no jornal da cidade e, se a população é maiorzinha, fundaram uma academia de letras, com 40 imortais, imitando a municipalista que imita a estadual que imita a nacional que imitou a francesa. Nos dias de hoje, como ficou fácil e barato, a metade deles publicou livro de contos, crônicas, poemas e causos em que recebeu elogios do deputado regional. Uma vez por ano fazem viagem cultural. Quando de família rica, vão à Disneylândia. Se modestos, uma praia na Bahia, que combine peixe frito com pescadores primitivos. Adoram gente primitiva! Ah, que bom se todos fossem primitivos! Constituem, pela vasta cultura e aguda intuição, as reservas intelectuais das quais os prefeitos se servem para preencher as vagas das secretarias de cultura, educação e turismo. Com eles, brilhantes reservas de sabedoria, a cidade está otimamente servida e progride um ano em um século. Ou seis meses em dois séculos.
TODA CIDADE TEM UM CEMITÉRIO
As mais antigas têm cemitérios bonitos, cheios de anjos, mármore, túmulos enfeitados. Nas modernas, onde o progresso salta aos olhos do visitante desprevenido, tudo é concreto, inclusive os defuntos, que nunca mais fedem depois de concretados. Ou concretizados, tanto faz. Defunto fedorento, cruz e coroa é coisa de roça. Cidade progressista exige concreto nas ruas e, como diria algum poeta, nas almas. Principalmente nas almas, que também não fedem.
TODA CIDADE TEM MIL JANELAS
Em cada janela dois cotovelos seguram um queixo. O queixo é virado pra cá e pra lá, de acordo com a necessidade dos olhos. Nada escapa aos olhos de água. Saiu água? Não é água, é águia. Aquele bicho grande de bico recurvo, que voa muito alto. Em cima do queixo um cérebro de água – água, não, águia – armazena os assuntos da semana
*Extraído do jornal "O Tempo", de 26.11.2005.
Meu comentário: qualquer semelhança com Mariana de ontem e de hoje é mera coincidência...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Visita diplomática em Mariana

O embaixador da Palestina no Brasil Al Zeben, que veio a Belo Horizonte para a manifestação em favor das vítimas dos bombardeios na Faixa de Gaza, acabou estendendo a visita às cidades históricas mineiras. Teve como cicerone Tilden Santiago, ex-embaixador do Brasil em Cuba. Os dois se conheceram quando Tilden atuava no setor diplomático. O embaixador Al Zeben foi a Ouro Preto e em seguida a Mariana, onde foi recebido pelo prefeito Roque Camêllo no Centro de Apoio ao Turista. Tilden se encarregou de mostrar as principais atrações do acervo artístico e arquitetônico das duas cidades.
Fonte: Coluna do Mário Fontana - Estado de Minas de 21.01.2009.

Blocos carnavalescos

A minha primeira participação no carnaval de Mariana foi em 1950, quando tinha apenas nove anos. O Marianense F.C. pediu autorização a meus pais para compor uma das alas de vários blocos carnavalescos promovidos pelo clube. Naquela ocasião, os grandes organizadores do carnaval de rua do Marianense F. C. eram os saudosos carnavalescos José Mesquita e Fabinho Gomes, que escolhiam o enredo, as alegorias, os adereços e fantasias do bloco rubro-negro.
Ao contrário de hoje, o custo da confecção das fantasias ficava a cargo dos foliões. Os próprios sócios do clube doavam toda estrutura necessária e mão-de-obra gratuita para construção dos grandes e belíssimos carros alegóricos. Como o Marianense, o Guarany F.C. também fazia belíssimos blocos carnavalescos e carros alegóricos, tudo construído com recursos próprios dos foliões e sócios dos clubes.
Naquele tempo, a prefeitura de Mariana era paupérrima. Não tinha sequer um veículo. A coleta de lixo de Mariana era feita numa carroça puxada por um burro, até o final da década de 1960. Mas o carnaval era maravilhoso, chique, charmoso, elegante, criativo, com muito confete e serpentina e o cheiro maravilhoso dos lança-perfumes. Depois do carnaval de rua, começava, a partir de onze horas da noite, o carnaval nos salões do Marianense, Guarany e Maracatu.
A partir da década de 1970, com o advento das multinacionais empresas mineradores, como a Vale, a Samarco e a Samitri, a prefeitura municipal de Mariana ficou riquíssima. O orçamento no ano passado foi de 150 milhões de reais. Foi quando a sociedade civil marianense e os clubes sociais de Mariana se acomodaram.
Para suprir essa lacuna, o município de Mariana começou a bancar toda a infra-estrutura material e financeira do carnaval, com doação de verbas especificas para as escolas de samba e blocos carnavalescos. No meu entendimento, salvo melhor juízo, apesar das verbas generosas da prefeitura, a qualidade do carnaval de Mariana piorou.
Atualmente, os blocos carnavalescos marianenses não têm nenhuma criatividade. Ao receberem verbas municipais, os organizadores desses blocos compram com dinheiro público camisetas simples com o logotipo do grupo, vendendo-as depois para os foliões que participam dos blocos. A outra parte da verba pública é destinada à compra de bebidas alcoólicas para animar os foliões. Nos últimos anos, os blocos carnavalescos patrocinados pela prefeitura viraram um incestuoso balcão de negócios para promover políticos e favorecer fornecedores de bebidas alcoólicas.
Conclusão da historia: a união do suor dos foliões com o bafo de onça transforma o nosso carnaval no mais fedorento da região dos Inconfidentes, capaz inclusive de espantar qualquer turista. A atual administração municipal precisa ficar mais rigorosa na liberação de verbas para os blocos carnavalescos, exigindo de seus dirigentes mais criatividade e menos balcão de negócios particulares com recursos públicos.
Os contribuintes marianenses, que gostam de carnaval-arte, esperam que o dinheiro público seja mais bem aplicado!

Memória política

Na década de 1980, o então prefeito de Mariana, João Ramos Filho, resolveu desapropriar a mata do Seminário, próxima do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), área de propriedade da Arquidiocese de Mariana, para nela construir o bairro Cabanas.
Inconformada com a decisão unilateral do prefeito, a Arquidiocese de Mariana, representada pelo saudoso arcebispo Dom Oscar de Oliveira, recorreu ao então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, pedindo-lhe que a referida propriedade não fosse desapropriada. O pedido foi encaminhado ao governo de Minas por intermédio do falecido empresário Januário Carneiro, dono da Radio Itatiaia, amigo íntimo de Tancredo Neves. O governador, que também era muito amigo do arcebispo, para evitar a desapropriação municipal, decretou também a desapropriação da mata do Seminário declarando aquela área de preservação ambiental.
Irado com a decisão do governador, João Ramos resolveu perseguir o Januário Carneiro. Desapropriou a sua residência em Passagem de Mariana. O governador, para proteger o amigo da perseguição política do prefeito, resolveu desapropriar o imóvel, declarando sua residência área de preservação cultural. Com esses dois decretos estaduais, o governador evitou que os imóveis da Arquidiocese e de Januário Carneiro fossem desapropriados.
Na ocasião, os vereadores da Direita tentaram conceder o título de cidadão honorário de Mariana a Januário Carneiro, mas a bancada majoritária da Esquerda que dava sustentação política a João Ramos não deixou. No dia 21 de abril de 1985, quando Tancredo Neves morreu, a Esquerda enfumaçou Mariana com um intenso foguetório regozijando a sua morte.
Anos mais tarde, João Ramos resolveu homenagear o falecido governador dando nome de Tancredo Neves à antiga Praça Bandeirantes. No dia da solenidade de mudança de nome da praça, a família de Tancredo Neves não compareceu: mandou representante.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Museu em Mariana*

Sérgio Rodrigo Reis

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Mariana, reunirá obras do escultor Francisco Vieira Servas. Comparado a Aleijadinho, o artista português ainda é pouco conhecido pelo público.
O português Francisco Vieira Servas (1720-1811) encontrou na Minas colonial o ambiente propício para criar arte sacra de rara beleza. Em seus 91 anos, com produção cercada de peculiaridades, deixou sua expressiva marca em várias igrejas mineiras. “Ele veio para o Brasil como um artista barroco e se adaptou às novidades locais, integrando rapidamente o rebuscamento e o refinamento ao estilo rococó vigente, caracterizado pela leveza”, explica Adriano Ramos, integrante do Grupo Oficina de Restauro e autor do livro Francisco Vieira Servas e o ofício da escultura na capitania das Minas do ouro. Desconhecido do grande público, em breve o escultor ganhará museu de referência, em Mariana.
A escolha da cidade histórica foi estratégica. Dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, instalada no topo de uma colina, Servas deixou obras-primas no altar-mor e em dois altares laterais. Sua obra reúne aspectos estilísticos que o distinguem de outros artífices, como a arbaleta, elemento de arremate em movimento sinuoso, altamente refinado. Na imaginária, chamam a atenção a largura idêntica dos lábios, nariz e olhos, além da terminação em “s” dos cabelos na testa das imagens.
Além de contar com precioso acervo próprio, a igreja deverá abrigar no consistório, acima da sacristia, exposição de peças até então desconhecidas, pertencentes ao Museu Arquidiocesano de Mariana. As lacunas serão preenchidas por banco de dados virtuais.
O Museu Servas deverá ser concluído em etapas, nos próximos três anos. Atualmente, o projeto é analisado pelo Ministério da Cultura. Posteriormente, bens móveis serão restaurados, a exposição permanente organizada e a recuperação da parte arquitetônica da igreja executada. A iniciativa envolve a arquidiocese e a Prefeitura de Mariana e o Instituto Flávio Gutierrez (IFG), responsável pela edição do livro dedicado ao escultor.
“O projeto resgata a obra desse artista importante, propõe um contraponto ao Museu Aleijadinho, em Ouro Preto, e visa a diversos públicos – não só ao turista, mas também à comunidade da paróquia, que ajudou a manter o local em bom estado”, explica Célia Corsino, diretora de museologia do IFG.
A proposta não é nova. Em 1998, logo depois de assumir a administração da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Mariana, o padre Giovani Luís da Silva se impressionou com o acervo pertencente a templos sob sua responsabilidade. “Servas deixou na Igreja de Nossa Senhora do Rosário as obras mais primorosas. Sempre achei que ali poderia abrigar um museu. Nossa tentativa é de realizar um tributo ao artista por tudo que ele deixou em Minas”, afirma.
A suntuosidade e o refinamento dos trabalhos chamam a atenção. “É uma escultura que concorre em qualidade com as de Aleijadinho. O resgate é importante”, diz padre Giovani. A colecionadora Ângela Gutierrez concorda: “Temos artistas únicos em Minas e, entre eles, Servas é destaque, pois produziu obra de extrema erudição”. Há pouco tempo, o português passou a ser mais conhecido. “Antigamente, toda imagem que aparecia era de Aleijadinho. Agora, vira e mexe, surge novo trabalho que tentam atribuir ao Servas”, conta ela.
Fonte: caderno de Cultura do Estado de Minas de 24.11.2008.
Meu comentário: A idéia de instalar em Mariana um Museu de obras do grande escultor português Francisco Vieira Servas é muito boa. Como sempre, cauteloso, daqui a três anos estarei conferindo se o Museu da igreja de Nossa Senhora sairá do papel!