quarta-feira, 30 de março de 2011

Música e devoção*

Órgão Arp Schnitger, da Sé de Mariana, mantém agenda de concertos graças à dedicação de Elisa Freixo e Josinéia Godinho. Infiltrações ameaçam a integridade do instrumento.
Ailton Magioli
A musicista Elisa Freixo anuncia a retomada do uso do órgão nas missas e festas litúrgicas, destinação original do instrumento do século 18. Mariana – Faça chuva, faça sol, Elisa Freixo e Josinéia Godinho se alternam, semanalmente, no comando do Arp Schnitger nas manhãs de sexta-feira e domingo, na temporada de concertos do órgão da Sé de Mariana, a 115 quilômetros da capital. O famoso instrumento, doado pelo rei dom João V à diocese, no entanto, ressente-se das mudanças climáticas a cada nova estação, sofrendo com a passagem de ar pelas flautas, devido a fenômenos como, por exemplo, a umidade, que provoca inchaço na madeira. “Daqui a umas três, quatro semanas, tudo estará de volta ao lugar”, prevê Elisa, comemorando o fim da estação chuvosa, quando as notas emitidas pelos dois teclados do órgão, de 45 teclas cada, costumam aumentar ou baixar de som. No domingo, Elisa recebeu a plateia, formada de brasileiros e gringos, muitos dos quais curiosos, como sempre, com a complexa mecânica de distribuição do ar no instrumento, de origem alemã, cujas 1.039 flautas são organizadas em dois planos. “Para cada nota há uma flauta diferente”, destaca a organista, lembrando que os teclados produzem sonoridade com cor e volume diferentes, como se fossem um instrumento solando e outro fazendo a base. Feliz com a chegada do outono – a melhor estação para a temporada de concertos – a organista recorda que o verão é sempre ruim para o Arp Schnitger. Apesar da continuidade da agenda, elas jamais convidam instrumentistas nacionais e internacionais para tocar com elas no verão, para evitar que, a qualquer momento, uma nota se prenda em plena performance. Como ocorreu no primeiro concerto do ano, em 2 de janeiro, quando o cravista e organista paulistano Nicolau Figueiredo, radicado em Paris, enfrentou problemas com o instrumento. O primeiro convidado internacional do ano será o organista alemão Wolfgang Zehrer, de Hamburgo, que estará se apresentando na Sé de Mariana em setembro.

Em risco

A crescente infiltração nas paredes do coro da Sé de Mariana, vizinho à tribuna especialmente construída para abrigar o Arp Schnitger, um metro abaixo, deixa o arcebispo da cidade, dom Geraldo Lyrio Rocha, atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), inconformado. “É lamentável que um patrimônio tão precioso como este – a primeira catedral de Minas Gerais, das mais antigas do Brasil – esteja neste estado”, afirma o religioso, salientando que o comprometimento do imóvel tricentenário é culpa dos órgãos governamentais, que não liberam recursos para as obras necessárias. “Este ano tivemos muita chuva inclinada, que acaba entrando pelas torres do relógio (esquerda) e do sino (direita), a última, justamente a mais próxima do órgão”, repara Elisa Freixo, lembrando que, por ser feita de matéria viva (barro e madeira), a catedral acaba penando com a movimentação, que, por si só, deveria causar a permanente manutenção do órgão. À frente de uma campanha para pelo menos contornar a atual situação precária do imóvel, o pároco Nedson Pereira de Assis lembra que as intervenções emergenciais vêm sendo feitas pela própria paróquia, sob autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Além do reboco da torre do lado direito, o Iphan também liberou a revisão do telhado”, afirma o padre, antecipando que a pintura interna e externa da catedral também já teria sido autorizada pelo instituto. A verba para tal, segundo o religioso, estaria sendo doada pela própria comunidade. “Desde que aqui cheguei, ouço dizer que teria sido aprovado projeto para o restauro da igreja, que não se dá. Tudo que se tem feito aqui é única e exclusivamente por iniciativa da própria paróquia”, lamenta o arcebispo dom Geraldo Lyrio Rocha, há cerca de quatro anos na cidade. Uma lona providencialmente colocada sobre o fole do instrumento vem garantindo o perfeito funcionamento do Arp Schnitger na estação chuvosa, ainda que ela não seja a proteção mais adequada. O problema de infiltração mais grave, atualmente, está na linha do sino, do lado direito da catedral, oposto ao que o órgão está instalado. A última obra no imóvel, patrocinada pelo Iphan, data do período de abril de 1981 a dezembro de 1984. Procurada pela reportagem, a superintendência do órgão no estado não soube informar sobre a previsão de novos investimentos no imóvel.
Liturgia e arte
Apesar de afastado da liturgia no Brasil, o instrumento, especialmente destinado à celebração de cultos, vai voltar a ganhar tal status na Catedral da Sé de Mariana, onde a organista Josinéia Godinho acaba de ser contratada para a função. “Junto virá o coral da catedral, cujas vozes ainda serão selecionadas”, anuncia, empolgada, Elisa Freixo, lembrando que a função principal do órgão sempre foi a litúrgica. Mesmo sendo uma peça histórico-museológica de suma importância para a primeira capital de Minas Gerais, o Arp Schnitger acabou ganhando função cultural em Mariana, onde foi instalado entre 1756-57. (...) Por mais incrível que possa parecer, a temporada de concertos da Catedral da Sé sobrevive da bilheteria. “Vamos entrar este ano com projeto na Lei Rouanet”, antecipa Elisa Freixo. Em Mariana há mais de uma década, onde chegou vinda de Hamburgo, na Alemanha, onde se graduou no instrumento, Josinéia Godinho recorda que na semana santa, e em circunstâncias especiais, o Arp Schnitger se manteve na função litúrgica. “Principalmente nas missas com corais”, destaca a organista, que rege o coro do seminário local.


História nobre

O órgão da Sé foi construído na primeira década do século 18, em Hamburgo (Alemanha), por Arp Schnitger (1648-1719), um dos maiores construtores do mundo desse tipo de instrumento. O órgão foi enviado inicialmente a uma igreja franciscana em Portugal e chegou ao Brasil em 1753, como presente da coroa portuguesa ao primeiro bispo de Mariana. Restaurado em 1984, o órgão Arp Schnitger é um dos atores principais da vida musical da cidade, acompanhando missas e celebrações litúrgicas, além de ser apresentado em concertos regulares e internacionais, que trazem ao Brasil organistas de renome mundial. Entre os instrumentos da manufatura Schnitger que sobrevivem até hoje, ele é um dos mais bem conservados e o único que se encontra fora da Europa, sendo alvo de estudos da Unesco para tombamento internacional.
*Fonte: jornal “Estado de Minas”, de 30.03.2011.

domingo, 20 de março de 2011

Vestibular do faz de conta*

Com autonomia para definir processos seletivos, universidades particulares montam pacotes de facilidades para atrair mais estudantes e aprovam até candidato que perdeu os exames.
Glória Tupinambás

“As listas de vestibular saíram e seu nome não estava nelas? Nada de frustração. Reprovação em processos seletivos não é o fim do mundo.” Esse é o chamado de uma universidade particular de Belo Horizonte aos candidatos que não obtiveram sucesso nas últimas provas. No melhor estilo “fazemos qualquer negócio”, as instituições de ensino superior privadas estão de portas escancaradas para todos e prontas para laçar novos alunos. No pacote de facilidades e conveniências, há faculdades que aplicaram até 18 vestibulares em apenas quatro meses; escolas que convocaram o 190º colocado no concurso que oferecia apenas 50 vagas; aluno que perdeu a prova e mesmo assim foi comunicado da aprovação; e até estudantes autorizados a começar o curso no 3º período ou mesmo escolher qualquer outra graduação da universidade diante da dificuldade de formar turmas. Com tanto incentivo, para ter um diploma basta querer, ou melhor, pagar.
Perante a lei, ninguém está errado nesta história – nem as universidades que oferecem comodidades para novos alunos, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) dá autonomia para que as instituições formulem seus processos seletivos, nem os estudantes que aceitam tais conveniências. Mas o medo de ser malvisto na escola, de manchar o currículo e de, no futuro, enfrentar obstáculos profissionais impede que muitos universitários ouvidos para esta reportagem mostrem o rosto e deem o nome verdadeiro. (...)
Novas estratégias e alternativas, que vão desde vestibulares agendados até a análise do currículo dos candidatos, são inventadas a cada dia pelas universidades, faculdades ou centros universitários particulares de Minas. Na corrida para preencher 245,7 mil vagas atualmente disponíveis no ensino superior nas 280 instituições de ensino do estado – número quase três vezes maior que em meados da década de 1990 –, o aluno se transforma em cliente e a essência dos tradicionais vestibulares cai por terra. Prova disso é que quase 10% das vagas foram ocupadas por estudantes que não participaram de processos seletivos tradicionais, como vestibulares e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nada menos que 21.189 alunos entraram nas instituições por entrevistas, avaliação de currículos ou matrícula-cortesia.
Nesse contexto, em que o ensino superior tem se transformado numa mercadoria, especialistas alertam sobre os riscos para a qualidade da formação. “A expansão do número de vagas tem dois lados. O positivo é que as universidades se tornaram espaços mais democráticos e inclusivos, ajudando o país a suprir o déficit de apenas 13% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior. Mas, por outro lado, as instituições precisam estar preparadas para oferecer um reforço de conhecimento e suprir eventuais deficiências dos alunos. É necessário pensar que, depois de formado, o estudante precisa ter uma preparação adequada”, adverte o presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), Paulo Speller. (...)
Tudo por um novo aluno
Num passado não muito distante, para ser mais exato até a década de 1970, os então temidos vestibulares eram verdadeiros espetáculos e lotavam estádios como o Mineirão, para selecionar candidatos mais preparados para a vida acadêmica. Hoje, pouco restou do tempo em que era necessário concentração e planejamento para enfrentar a maratona de provas. Com um simples telefonema, o candidato agora consegue marcar testes para o dia e o horário de sua preferência. (...)
Fonte: jornal “Estado de Minas”, de 20.03.2011.
Meu comentário: As instituições de ensino particular no Brasil viraram uma indústria milionária e lucrativa para os empresários da educação. São verdadeiras indústrias de fabricar diplomas e engordar a conta bancária de inescrupulosos proprietários dessas instituições de educação fajutas. Milhares de jovens são covardemente jogados no mercado de trabalho e onde são sumariamente rejeitados por absoluta falta de competência profissional. Coitados, pagaram com muito sacrifício familiar mensalidades muito altas e não aprenderam nada. São os famosos analfabetos funcionais. Não se iludam: o ensino público também está uma porcaria. Mas a maior tragédia do ensino no Brasil é constatar que os alunos que frequentam aulas não têm a mínima vontade de estudar. Contra isso não há solução. A escola da vida é implacável: quem não estuda não tem nenhuma possibilidade de sucesso profissional no mercado de trabalho.
Qualquer semelhança com a baixa qualidade de ensino público e privado praticada pelos empresários da educação em Mariana é mera coincidência...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Centro de Convenções

Quando, - por intermédio de seu presidente Roque Camêllo, pediu e conseguiu a restauração do Cine Teatro Municipal ao então presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), José Alencar da Silva, - a Casa de Cultura de Mariana-Academia Marianense de Letras, ao término das obras, teve, na época, o bom senso e a prudência de sugerir à Câmara Municipal de Mariana a aprovação de uma lei determinando que a administração do imóvel restaurado, em forma de comodato, ficasse a cargo do Sesiminas, um órgão da FIEMG, para evitar a interferência maléfica dos políticos e empresários na administração e conservação do imóvel.
Para tanto, o Cine Teatro Mariana foi cedido ao Sistema FIEMG, em regime de comodato, e foram realizadas as reformas e adaptações técnicas necessárias para adequação do espaço à sua nova finalidade. O Centro de Cultura foi inaugurado em 24 de outubro de 1993, portanto há 18 anos. Antes, durante 50 anos, o prédio foi cedido também em comodato a duas empresas: a dos Irmãos Trópia e a Empresa de Cinema Brasil de Ubá (MG). Depois que elas foram embora, o prédio ficou fechado durante muito tempo e o prefeito de então transformou o prédio em depósito de material de construção da prefeitura.
Para que o novo Centro de Convenções não se transforme também num futuro depósito de material de construção, sujeito à cobiça de políticos inescrupulosos e de empresários chantagistas e oportunistas, a atual administração pública municipal precisa urgentemente entregar o prédio em comodato a uma empresa idônea, especializada no ramo e constituída por um quadro de funcionários profissionais, técnicos e independentes.
Os últimos prefeitos interinos foram muito irresponsáveis ao permitir a realização de eventos públicos e particulares num prédio inacabado, que ainda não tem sequer o alvará de funcionamento da própria prefeitura, apólice de seguro contra incêndio, laudo pericial de bombeiros, sem nenhum equipamento de segurança contra incêndio, equipe permanente de funcionários administrativos, nem mobiliário completo como mesas, cadeiras e revestimento acústico.
Por que os empresários - que gostam tanto de promover eventos destinados à famosa e lucrativa indústria da vaidade humana que consiste em agraciar cem idiotas e otários sem destaque algum, mas que pagam para receber a “homenagem remunerada", - não realizam suas promoções no Centro de Cultura SESI-Mariana num prédio moderno, bem equipado e confortável?
Gostam de realizar seus eventos no Centro de Convenções ou Terminal Rodoviário, ambos imóveis públicos, por causa da maléfica influência de políticos que têm telhado de vidro ou rabo preso com empresários espertalhões e chantagistas. Por causa disso, tudo sai de graça, às custas do município, enquanto no Centro de Cultura SESI-Mariana tem que pagar uma taxa, mas com uma excelente vantagem: o fornecimento de toda a infraestrutura para a realização do evento fica a cargo do SESI.
Aqui em Mariana já virou tradição perversa e que causa despesas indevidas ao município os empresários entrarem com a ideia de promover festas suntuosas e lucrativas para eles mesmos, enquanto o município entra com a infraestrutura e a verba pública, ou seja, o contribuinte marianense é que paga a conta. Um absurdo!

quarta-feira, 2 de março de 2011

Transparência parlamentar

Depois de longa, dispendiosa e intensa propaganda institucional paga aos veículos de comunicação da Região dos Inconfidentes convidando, sem êxito, a população marianense para assistir às suas reuniões ordinárias, a Câmara Municipal de Mariana resolveu agora transmiti-las através de emissoras de rádio e televisão.
As reuniões são realizadas às segundas-feiras de cada semana, às 19 horas. Além de alguns repórteres de jornais e de rádio que realizam a cobertura dos trabalhos legislativos, o público que prestigia as sonolentas e entediantes reuniões é muito pequeno. As pessoas que frequentam o plenário da Câmara são as mesmas de sempre.
Aliás, as reuniões da Câmara só chamam a atenção do povo em duas ocasiões excepcionais: quando há briga política entre os vereadores, como aconteceu na disputa pela presidência da Casa ou quando há aquelas já tradicionais reuniões solenes quando são oferecidas ao público e bancadas por verbas públicas suntuosas festas com bocas livres, comes e bebes e rega-bofes. As festas são tão prestigiadas pelo povo, que a solenidade é realizada fora do prédio da Câmara para caber tanta gente.
Em homenagem à transparência parlamentar seria muito prudente e conveniente que o novo presidente da Câmara informasse ao distinto contribuinte marianense, o que paga a conta, quanto irá custar aos cofres públicos a transmissão das reuniões da Câmara pelas emissoras de rádio e televisão.
Afinal de contas, transparência parlamentar é fundamental!