sábado, 14 de novembro de 2015

Para que não se repita a tragédia em Mariana


Entenda como técnicas mais modernas de tratamento de resíduos da mineração poderiam ter impedido que o distrito de Bento Rodrigues fosse varrido do mapa
Por Eduardo Gonçalves, Nicole Fusco e Talyta Vespa

Com 317 anos, o distrito de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana, era um dos mais importantes da região. O vilarejo de 600 habitantes fez parte da rota da Estrada Real no século XVII e abrigava igrejas e monumentos de enorme importância histórica. Em 5 de novembro, um tsunami de lama a varreu do mapa o distrito em onze minutos. Dez mortes foram confirmadas até a tarde de sexta-feira e dezoito pessoas seguiam desaparecidas. A onda devastou outros sete distritos de Mariana e contaminou os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Moradores de cidades em Minas e no Espírito Santo tiveram a rotina afetada por interrupções no abastecimento de água. O destino final da lama deve ser o mar do Espírito Santo, onde o Rio Doce tem sua foz. O que causou a tragédia foi o rompimento de duas barragens no complexo de Alegria, da mineradora Samarco. As barragens continham rejeito, o resíduo não tóxico resultante da mineração de ferro. Tamanha destruição poderia ter sido evitada com o uso de novas técnicas para o tratamento de resíduos de mineração.

Eram três as barragens de rejeito em Alegria: a de Germano, a de Fundão e a de Santarém. Todas operavam segundo o sistema de aterro hidráulico, tradicional e empregado em todo o mundo. Ele conta com a ação da gravidade para fazer com que os resíduos separados do ferro escoem até bacias. A parte frontal dessas bacias é feita de areia, para filtrar a água. A principal hipótese levantada pelos técnicos é que nas barragens de Mariana tenha ocorrido o processo de liquefação, que se dá quando essa camada arenosa externa, em vez de expelir, retém a água. Uma variação brusca na pressão interna do depósito de rejeito pode então transformar areia em lama, que não consegue mais conter os resíduos que estão atrás. Isso explicaria o rompimento da barragem de Fundão — o que arrasou a de Santarém e tudo o mais que havia pela frente. Dois abalos sísmicos de pequena magnitude registrados na região pouco antes da tragédia podem ter acarretado a mudança de pressão na barragem — hipótese que também precisa de comprovação.

O Ministério Público de Minas Gerais e a Polícia Civil abriram inquéritos para apurar as causas do desastre, mas uma resposta satisfatória não deve vir antes de seis meses. Um laudo técnico elaborado pelo Instituto Prístino, de Minas Gerais, a pedido do Ministério Público alertava em 2013 para os riscos na barragem do Fundão, justamente a primeira a se romper em Mariana. O estudo destacava a proximidade entre a barragem e o local de descarte de rochas sem minério da Mina de Fábrica Nova da Vale. “Esta situação é inadequada para o contexto de ambas as estruturas, devido à potencialização de processos erosivos", diz o documento. É evidente que houve negligência, ou no monitoramento ou na operação do empreendimento.
O texto não aponta irregularidades, motivo pelo qual a renovação da licença ambiental da barragem foi concedida à mineradora naquele ano. Faz, contudo, recomendações que elevariam o padrão de segurança da barragem. De acordo com o MP, a Samarco seguiu o indicado – o que não a isentará de ser responsabilizada pelo ocorrido. "É evidente que houve negligência, ou no monitoramento ou na operação do empreendimento", afirma o promotor do Meio Ambiente de Minas Gerais Carlos Eduardo Ferreira Pinto. "Um rompimento dessa magnitude não acontece do dia pra noite. Houve falha no monitoramento", completa. A Samarco afirma que todas as suas licenças estavam em dia.

A legislação ambiental brasileira estabelece que empresas que exercem atividades com riscos conhecidos, como a mineração, assumem automaticamente o ônus por eventuais acidentes. Por isso, o monitoramento das barragens é um dos pontos críticos do empreendimento. Os rejeitos se acumulam, e os engenheiros vão ampliando as estruturas”, diz o professor de geologia de engenharia da USP Edilson Pissato. Há depósitos com 200 metros de altura. O de Fundão tinha 90 metros.

Além das multas em decorrência dos danos ao meio-ambiente, a Samarco deverá arcar com os custos da reconstrução da região atingida e com a indenização às pessoas afetadas. Só em Bento Rodrigues, a prefeitura de Mariana estima que a onda de lama tenha devastado o equivalente a 100 milhões de reais em ruas, prédios e pontes. A licença da mineradora na cidade foi embargada pelo governo estadual. Na sexta-feira, a Justiça de Minas Gerais bloqueou 300 milhões de reais da conta da mineradora para garantir o pagamento das indenizações.

Há técnicas mais modernas para lidar com o rejeito, que usam filtros para garantir sua drenagem. Seus custos podem encarecer a exploração de uma jazida em até seis vezes. “Por isso, as mineradoras acabam assumindo o risco de usar os processos tradicionais”, diz Pissato.

11 de setembro da mineração
A ONG francesa International Commission on Large Dams (Icold) calcula que ocorrem em média dois rompimentos como o de Mariana por ano no mundo. A tragédia em Minas já é classificada como o “11 de setembro” do setor de mineração. Executivos do segmento esperam um endurecimento das regras para as mineradoras. “Depois de Mariana, ninguém mais vai conseguir licença para construir barragem sem filtro. A sociedade não vai aceitar mais correr esses riscos”, conclui o engenheiro e geotécnico Joaquim Pimenta de Távora. O novo Código de Mineração em tramitação na Câmara dos Deputados deve agora incluir emendas que obriguem as mineradoras a tratar os rejeitos – uma forma de evitar novas tragédias em um país em que há pelo menos outras 800 barragens como a de Mariana.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Prefeitura de Mariana: 100 milhões de prejuízo!


Prefeitura estima em R$ 100 milhões prejuízo com tragédia em Mariana
Valor consta em estudo preliminar encomendado à Secretaria de Obras e inclui perdas com destruição de pontes e casas. Seis mortes foram confirmadas até agora

A prefeitura de Mariana estima em pelo menos 100 milhões de reais o prejuízo provocado pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, que devastou a região e provocou pelo menos seis mortes até agora. O prefeito Duarte Júnior (PPS) informou que o valor consta de um estudo preliminar encomendado à Secretaria de Obras e inclui as perdas provocadas pela destruição de pontes e casas, além dos danos ambientais.
O prefeito teme ainda a queda na arrecadação municipal em decorrência do embargo da licença da Samarco - 80% da receita do município vêm da mineração, afirma. Segundo ele, a cidade é totalmente dependente da atividade e não há diversificação econômica na região. "Se parar a mineração, a cidade deixa de existir", diz. Segundo Duarte Júnior, a mineradora está prestando atendimento às vítimas e, até agora, tem cumprido todas as demandas da prefeitura.
Ele afirma que uma conta-corrente foi aberta para receber doações em dinheiro para as vítimas da tragédia e que 100.000 reais já foram depositados até agora. Segundo o prefeito, uma comissão com membros do Legislativo Municipal, da arquidiocese e de moradores da cidade será criada para administrar as doações e garantir que o dinheiro seja encaminhado aos cidadãos afetados. Mariana recebeu também diversas remessas de roupas e material de higiene. Duarte Júnior pede, inclusive, que as doações desse tipo de material diminuam, para permitir que os voluntários organizem e distribuam o que foi recebido até aqui.
 
140 casas para os desabrigados
Na tarde desta terça, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais informou que a Samarco ofereceu 140 casas para abrigar provisoriamente os moradores do distrito de Bento Rodrigues, que tiveram as casas destruídas pela tragédia da semana passada. As moradias serão alugadas e ainda não são as habitações definitivas que os desabrigados devem receber. Todas ficam em distritos da cidade de Mariana.
 
Vítimas
O Corpo de Bombeiros resgatou nesta tarde o corpo da sexta pessoa morta na tragédia. A vítima ainda não foi identificada. Até agora, foram identificados quatro corpos, incluindo o da menina Emanuele Vitória Fernandes, de 5 anos. Além dela, tiveram as mortes confirmadas o funcionário da Samarco Claudio Fiuza, de 41 anos, e os empregados terceirizados da mineradora Aparecido Leandro, de 48 anos, e Sileno Narkevicius de Lima, 47 anos.
Restam ainda 21 pessoas desaparecidas: onze funcionários e dez informados pelos familiares. Durante a tarde, Afonso Augusto Alves, de 54 anos, morador do distrito de Camargos que estava na lista de desaparecidos, apresentou-se no posto de Comando das Operações e está alojado na casa de familiares. Há 631 pessoas hospedadas em hotéis.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Se as barragens tivessem rompido à noite, todos morreriam!


'Se a barragem tivesse rompido à noite, todos teriam morrido', diz prefeito de Mariana

Duarte Júnior afirma que a Samarco não avisou a população sobre rompimento – e que moradores de Bento Rodrigues foram salvos pela solidariedade dos vizinhos
 
O prefeito de Mariana(MG), Duarte Júnior fala sobre as medidas tomadas após o rompimento de barragem da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues
 
"Sem mineração, Mariana acaba. Essa catástrofe é muito maior do que se imagina".
Quando duas barragens da mineradora Samarco romperam na cidade mineira de Mariana na semana passada, destruindo com uma avalanche de lama diversos distritos da região, o prefeito Duarte Júnior (PPS) estava prestes a completar seu quinto mês no cargo: ele assumiu o posto em 10 de junho, no lugar de Celso Cota (PSDB), cassado depois de ser condenado por improbidade administrativa. Agora, o prefeito de 35 anos tem de administrar uma cidade abalada por aquela que já é considerada a maior tragédia ambiental da história de Minas Gerais - e lidar diariamente com o desespero dos moradores locais.
 
Ao site de VEJA, em entrevista a Carolina Farina, Duarte Júnior falou sobre o clima de medo que impera em Mariana, sobretudo no distrito de Bento Rodrigues, o mais afetado pela tragédia. "Não vejo a possibilidade de Bento se reerguer", afirma. Confira a entrevista a seguir:
 
Como está o relacionamento com a Samarco? A mineradora está prestando apoio à cidade?
A empresa sempre foi muito bem vista na cidade. Antes da tragédia, os funcionários tinham muito orgulho de trabalhar lá. Agora, fica difícil dimensionar o sentimento da população de Mariana quanto à Samarco. Mas, enquanto Executivo, posso dizer que até agora a empresa tem atendido tudo o que solicitamos: hotéis e casas para os afetados, helicóptero para o resgate. Eles estão pagando alimentação e estadia. Mas, para mim, a empresa nada mais faz do que sua obrigação, já que é responsável por tudo o que aconteceu.

Por que acredita que a Samarco seja culpada pela tragédia?
Eles afirmaram que tinham um plano estratégico de contingência em caso de rompimento das barragens e que esse plano foi aprovado. Mas que tipo de plano não prevê uma sirene ou um botão do pânico para avisar a população de que uma catástrofe ocorreu? Não se pode achar que haverá tempo de avisar a todos por telefone, que vão ligar e dizer que as pessoas têm cinco minutos pra sair de casa. Houve uma falha e é importante que a empresa assuma isso. Ainda vamos ter estudos para entender o porquê do rompimento da barragem, mas houve uma falha de comunicação que custou vidas. Os moradores com quem conversei dizem que tinham medo da barragem romper e já haviam levado essa questão à empresa, mas a Samarco lhes disse que era seguro.
 
Esse plano não passou pela prefeitura?
Não. Esse plano foi construído e apresentado ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do governo federal. Houve uma falha na forma como as coisas aconteceram: a Samarco não telefonou para ninguém, embora diga que sim. E ainda que tenham ligado, o sistema claramente falhou.
 
O saldo de mortos em Mariana é menor do que o comum em catástrofes ambientais dessa magnitude. A que se deve esse quadro?
Aos heróis de Mariana. Houve pessoas que saíram pelas ruas de Bento resgatando pessoas e avisando os vizinhos. Todos se ajudaram. Um funcionário de uma obra passou com seu caminhão recolhendo moradores. Outra jovem circulou pelo distrito em sua moto avisando a todos e levando pessoas até acabar a gasolina. Eles correram risco de vida para ajudar os demais. A solidariedade salvou as pessoas do distrito, porque não houve aviso da Samarco. De fato, o saldo de mortos é baixo tendo em vista que se trata de um distrito de 600 moradores. A tendência era que aquele povo tivesse sido dizimado. Se a barragem tivesse rompido à noite, teria morrido todo mundo. A solidariedade das pessoas me deixa muito satisfeito. Aliás, tenho dito que são os voluntários, e não a prefeitura, que têm tocado a cidade. Eles é que ficam aqui virando noite, organizando doações.

Acredita que será possível reconstruir a cidade?
Bem, vejamos o distrito de Bento Rodrigues, que tem uma importância histórica enorme para Mariana - era uma referência, muito bonito, turístico. Como leigo, não consigo ver possibilidade de Bento se reerguer. O que tem de lama lá é impressionante. As pessoas não querem voltar para lá. Elas perderam tudo, perderam entes queridos e sabem que há outra barragem de rejeitos sobre o distrito. Acho muito difícil ser reconstruído. Essa é uma percepção minha, mas ouvi pessoas com experiência em catástrofes e a avaliação é a mesma. Nem sei se a empresa tem condições de remover toda aquela lama. Já em Paracatu, embora tenha perdido 60% de sua infraestrutura, eu vejo maior possibilidade de reconstrução. Mas Bento tem uma importância muito grande e não pode simplesmente acabar. Precisamos estudar o que vai ser feito.

Qual pode ser o efeito futuro dessa tragédia?
Fico preocupado porque agora surgem pessoas dizendo que Mariana não pode mais comportar mineração. O município minera há cinquenta anos e nunca houve diversificação da atividade econômica. Todos os que já tiveram mandato têm culpa nisso, eu inclusive. Se a mineração acabar, minha arrecadação cairá tanto que não poderei manter os serviços básicos. Direta ou indiretamente, 80% da receita da cidade vêm da mineração. Sem mineração, Mariana acaba. Essa catástrofe é muito maior do que se imagina.

Qual a principal reivindicação das famílias afetadas pela tragédia?
Querem mais informações. Todos reclamam que a informação não chega aos parentes das vítimas, por isso agora todos os dados que forem repassados à imprensa terão antes de ser informados às famílias. Os moradores questionam como vão continuar vivendo, porque têm necessidades básicas e perderam tudo. O Ministério Público solicitou à Samarco que fizesse um repasse mensal para as pessoas afetadas. A empresa disse que, assim que receber o documento, tomará as providências.

De quanto será esse repasse?
Não houve uma definição. O ideal seria que o repasse fosse feito de acordo com a renda prévia de cada morador, para que as pessoas pudessem manter seu padrão de vida.

Como garantir que haverá punição aos responsáveis?
Tenho dito que estamos trabalhando em tópicos. O primeiro é achar sobreviventes. O principal objetivo é a vida. Mas, depois, tem de haver uma indenização aos familiares. A empresa tem que reconstruir tudo o que foi destruído, todos os distritos. A empresa tem que assumir que falhou - e que essa falha foi grave. A Samarco tem de assumir que errou e que esse erro vitimou pessoas que não poderiam ter sido vitimadas. Mas ainda que se puna a Samarco, não se pode extinguir a mineração.