quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Loteria no STF é o pior cenário*

Ricardo Corrêa

    Não tem sido exagero dizer que o futuro jurídico - dentro ou fora da cadeia – dos acusados de corrupção no Brasil depende mais de sorte do que efetivamente de culpa nos casos em que são acusados. O Supremo Tribunal Federal (STF), onde desembocam não apenas os casos de autoridades com foro privilegiado, mas também os recursos dos que são investigados e processados em instancia superior, tornou-se cenário de uma grande loteria, o que é péssimo para o país.
Não é legítimo que um pague e outro não simplesmente porque o sorteio os colocou nas mãos de dois juízes com visões completamente diferentes sobre o que ocorre no Brasil. É o que se dá claramente na composição atual da Corte.
    Azar de quem tiver seus processos e recursos caindo nas mãos de Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso. Em especial, do primeiro e do último. Sorte de quem teve a doce notícia de que terá sua situação analisada por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski ou Alexandre de Moraes. Os demais três ministros do STF – Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia – ainda oscilam pendendo para um lado ou para outro, mas no caso dos oito primeiros ministros citados, quase sempre é possível prever como serão suas decisões.
    Na mesma semana, vimos decisões de Gilmar, monocráticas ou votações colegiadas que contaram com o voto de Toffoli, liberando acusados que estavam presos, proibindo conduções coercitivas e barrando processos contra envolvidos em escândalos de corrupção. . De outro lado, vimos a determinação de Barroso para que um deputado perdesse o foro privilegiado em um caso a seu mandato e o folclórico deputado Paulo Maluf sendo mandado para o xadrez, após uma monocrática interpretação de que seu recurso era incabível.
    Decisões tão distintas, por si só, já são preocupantes. Embora sempre tenham ocorrido divergências – Marco Aurélio Mello, que ganhou o apelido de “voto vencido” sabe muito bem -, elas se acentuaram na atual composição do STF. E, para piorar a situação, elas passaram a se tornar muito nítidas na divisão das turmas. A Primeira Turma é o inferno, com os juízes mais duros (Fachin, Rosa e Fux) formando o placar de 3 a 2 contra os mais garantistas (Morais e Marco Aurélio). A segunda, o paraíso, com Gilmar, Toffoli e Lewandowski formando maioria com frequência diante de Celso de Mello e Fachin. Por azar dos investigadores e sorte dos investigados da Lava Jato, a operação caiu justamente neste grupo.
    Ocorre, põem, que nem todos os casos de corrupção guardam vinculação com a Lava Jato. E quem lutou para tirar suas situações das mãos de Fachin, como foi o caso do senador Aécio Neves, com o objetivo de fugir de um relator mais duro, acabou vendo tiro sair pela culatra. Seu caso migrou para a Primeira Turma e, não fosse a intervenção polêmica do plenário do STF e o corporativismo de seus colegas, ele possivelmente estaria proibido de sair de casa à noite e de ir ao Congresso até hoje.
Independentemente de quem está certo – se o grupo de Fachin ou o de Gilmar, o certo é que não é justo nem faz bem que as interpretações do direito sejam tão díspares no momento em que o país tenta enfrentar a chaga da corrupção. É o que permite que uns ou outros por aí se digam perseguidos, enquanto outros sejam apontados como protegidos por uma lógica que pouca gente entende.
Fonte: jornal "O Tempo", edição n° 7679, de 23.12.2017.          

sábado, 23 de dezembro de 2017

Os estragos causados por Gilmar Mendes à Lava Jato*


O ministro Gilmar Mendes lidera uma corrente no Supremo que resiste à Lava Jato e tem favorecido acusados de corrupção

DÉBORA BERGAMASCO

     Em meio a balões vermelhos e anjos de pano com enfeites dourados, o ex-governador Anthony Garotinho celebrou o fim de quase um mês de prisão, entre a cadeia de Benfica e a penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro. Sua mulher, a ex-governadora Rosinha Matheus, e sua filha, a deputada Clarissa Garotinho, o aguardavam na chegada, na quinta-feira (21), com um prato de sopa leve sobre a mesa de casa. Um grupo de oração já estava escalado para se reunir durante o fim de semana para agradecer a Deus a benesse concedida a Garotinho. A reza era endereçada a Deus no céu e na Terra ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proferiu a decisão logo no primeiro dia de seu plantão durante o recesso do Judiciário.

Garotinho é acusado de receber cerca de R$ 3 milhões de propina da JBS na eleição de 2014. Sua prisão foi feita com base nos depoimentos e dados fornecidos pelos delatores do grupo, hoje presos também. Natal tranquilo e em paz será desfrutado também por seu companheiro de acusação. Presidente do partido de Garotinho, o PR, o ex-­senador e ex-ministro Antonio Carlos Rodrigues também ganhou o benefício de passar o Natal em casa, não na penitenciária. Acusado de negociar propina de R$ 3 milhões da JBS, Rodrigues ficou uma semana foragido antes de se entregar, numa afronta à lei.

A elite política vence a Lava Jato
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes garantiu boas-festas a mais oito políticos e empresários acusados – ou suspeitos – de cometer crime de corrupção. A ex-primeira-dama do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo foi condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de corrupção comandado pelo marido, o ex-governador Sérgio Cabral. Nesta semana, Adriana foi agraciada pela segunda vez com o direito de cumprir prisão domiciliar. Trocou a cadeia de Benfica, onde estava detida desde 23 de novembro, pelo confortável apartamento no Leblon. O ministro Gilmar Mendes aceitou os argumentos da defesa, de que ela precisa cuidar do filho de 12 anos. Disse que a condição financeira privilegiada de Adriana não poderia “ser usada em seu desfavor”.
Gilmar Mendes é um ministro de perfil “garantista”, que prefere não enviar pessoas para a prisão. Nos últimos dias, no entanto, sua postura foi além do garantismo, para adentrar o terreno do “abolicionismo”, que consiste não só em não prender, como em libertar quem for possível da cadeia ou de investigações e denúncias. É notória sua postura contrária à Lava Jato e, principalmente, ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Na terça-feira (19), Gilmar Mendes lembrou-se do desafeto ao votar no caso conhecido como quadrilhão do PMDB, no qual são réus os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-­assessor do presidente Michel Temer Rodrigo Rocha Loures, o homem da corridinha com a mala de R$ 500 mil.

O Supremo decidiu tirar o julgamento da turma das mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, e passar para o juiz Vallisney Oliveira, em Brasília. Gilmar Mendes foi dos que votaram para tirar o caso de Moro e, como se tratava de uma investigação de Janot, aproveitou para criticar a homologação da delação da JBS, aquela que quase derrubou o presidente Michel Temer. Mendes considera que foi um erro do Supremo. “Investigação malfeita, junta o áudio e não pede perícia. O que nós estamos vendo aqui na verdade é a descrição de um grande caos. Serviço malfeito, apressado, ‘corta e cola’, com as contradições que foram aqui apontadas. Isso é vexaminoso para o tribunal”, disse. “Combate à corrupção se faz nos termos da lei, na forma da lei. Essas são as bases do estado de direito. O resto é bravata, é discurso”.

Adiamento de julgamento no STF atrapalha a Lava Jato
Apesar das discordâncias com a Lava Jato, do estilo mais agressivo, Gilmar Mendes não se encaixa na figura do ministro voto vencido, como já foi o colega Marco Aurélio Mello – que, recentemente, expôs a má relação com Mendes nos termos de um duelo. Como aconteceu no caso do quadrilhão, Gilmar Mendes tem apoio no plenário. Tem sido seguido em seus entendimentos pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, seus colegas na Segunda Turma. Os três costumam concordar nas críticas a acordos de delação premiada, o motor investigatório da Lava Jato. Há pouco mais de um mês, Lewandowski deixou o tribunal e os investigadores atônitos ao não homologar a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, que devasta o PMDB do Rio, feita nos mesmos parâmetros de outras aceitas pelo Supremo.
Na tarde da segunda-feira (18), a Segunda Turma estava desfalcada de Lewandowski, em licença médica, e de Celso de Mello, que passara por um episódio de pressão alta. Com apenas três ministros, o relator da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, sugeriu adiar o exame das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Lava Jato contra o senador Benedito de Lira e seu filho, o deputado Arthur Lira; contra o deputado Eduardo “Dudu” da Fonte e o deputado José Guimarães, do PT.
Os colegas não concordaram. O que se seguiu foi uma dobradinha Mendes-­Toffoli em favor dos quatro acusados. O senador Benedito de Lira e o filho, ambos do PP, eram acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por terem recebido R$ 2,6 milhões em propina do esquema da Petrobras. Foram liberados.

O deputado Dudu da Fonte era acusado de participar de um conluio para cobrar propina para barrar investigações da CPI da Petrobras, em 2009. Primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou que Dudu intermediou um encontro com o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e que o partido levou R$ 10 milhões para esfriar a CPI. Há um vídeo do encontro. “O simples fato de o denunciado Eduardo da Fonte e o senador Sérgio Guerra terem se encontrado com Paulo Roberto Costa em algumas oportunidades não traduz, por si só, seu concurso para a solicitação de vantagem indevida”, disse o ministro Dias Toffoli. Com o voto de Gilmar Mendes, Dudu escapou. Também foi para o arquivo a denúncia de lavagem de dinheiro e corrupção passiva contra o deputado José Guimarães, do PT do Cea­rá, acusado de receber propina de quase R$ 100 mil da construtora Engevix.
 
Além das libertações e do arquivamento em série na Segunda Turma, no mesmo dia Gilmar Mendes concedeu uma liminar que suspendeu um inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o governador do Paraná, Beto Richa, do PSDB. Ele é suspeito de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. “O Ministério Público local não apenas invadiu, por duas vezes, a competência da Procuradoria-Geral da República e do Superior Tribunal de Justiça, mas também o fez oferecendo ao acusado benefícios sem embasamento legal”, disse. Richa não pode nem ser investigado.
Na terça-feira (19), antes de começar o recesso e após a sucessão de decisões, ministros do Supremo falaram reservadamente sobre suas preocupações em torno da volta da impunidade dos poderosos, que parecia uma conquista recente iniciada no mensalão e que ganhara corpo com a Lava Jato. Da conversa saiu a convicção, segundo relatos feitos a ÉPOCA, de que nunca fez tanto sentido a existência de uma iniciativa para “estancar a sangria” (leia-se a Lava Jato), a inesquecível expressão do presidente nacional do MDB, senador Romero Jucá.

Diversas ações recentes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário ameaçam a Lava Jato. Na última delas, na mesma terça-feira, o ministro Gilmar Mendes suspendeu, em decisão liminar, o uso da condução coercitiva, ou seja, quando a pessoa é levada pela polícia de forma forçada para depor sem intimação prévia. Apenas o juiz federal Sergio Moro autorizou 225 pedidos assim na Lava Jato. O caso mais conhecido é o do ex-presidente Lula, ocorrido em março do ano passado. Como o Judiciário está em recesso até fevereiro, a decisão de Gilmar Mendes prevalecerá até lá. O país terá tempo de entender melhor o que aconteceu no final de 2017.
*Fonte: revista Época.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Justiça determina desocupação de prédios do ICHS em Mariana*


     Uma ordem Judicial de desocupação de alguns prédios do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que fica na cidade de Mariana, tem causado indignação e muito debate na Região dos Inconfidentes. A Arquidiocese de Mariana, que cedeu o imóvel em regime de comodato em 1980, para que a UFOP se instalasse em Mariana, moveu uma ação na Justiça que solicita a devolução de alguns prédios que compõe a instituição.
Vários movimentos são organizados com o intuito de que a instituição permaneça na cidade. A Arquidiocese afirma que está em diálogo constante e que o caso ainda não foi definido.
 
     Em nota, o arcebispado garantiu que em nenhum momento solicitou a reintegração dos prédios e nem se negou ao diálogo e ainda explica que só entrou com o processo “devido a uma ação do Ministério Público que pretendia aplicar uma multa diária ao ex-arcebispo Dom Luciano, caso não restaurasse o Palácio dos Bispos, que naquele momento estava em posse da UFOP”.
 
     Como forma de reverter a decisão, a comunidade em geral promoveu reuniões com o objetivo de ampliar o debate. O movimento ganhou apoio de diversas autoridades. Uma comissão foi formada para tratar do assunto de forma organizada, sendo composta pela reitora da UFOP, Cláudia Aparecida Marliére, da diretora do ICHS, Margareth Diniz, e do prefeito de Mariana, Duarte Junior.
Uma das primeiras ações foi o ato público ocorrido na manhã da quarta-feira (13) com manifestações pelas ruas de Mariana, o #ficaUFOPmariana. Na tarde do mesmo dia ocorreu uma reunião entre representantes das duas instituições que chegaram a um acordo.
 
     O advogado do arcebispado pedirá a suspensão do processo por 90 dias para que, nesse prazo haja uma conciliação entre as partes. A Universidade aceitou a proposta da suspensão do processo e irá estudar uma proposta. A próxima reunião ficou agendada para o dia 07 de fevereiro.
Também em nota, a universidade reforçou seu compromisso e respeito para com a comunidade de Mariana, reforçando que tem buscado, por meio do diálogo e de recursos legais, permanecer com o ICHS no município, “polo importante e estratégico para o desenvolvimento da Região dos Inconfidentes. Assim, reitera a necessidade de a UFOP continuar com o seu legado no município, iniciado em 1979, com a criação do Instituto, pois o ICHS é Mariana!”.

Entenda o caso
Segundo a Arquidiocese, na década de 1980, o arcebispado cedeu em comodato à UFOP o prédio do antigo Seminário Nossa Senhora da Boa Morte, por 50 anos, e o denominado Prédio das Aulas e o Palácio dos Bispos, por 30 anos.
 
     Em contrapartida, a UFOP se responsabilizaria pela restauração e conservação desses prédios, o que não ocorreu em relação ao Palácio dos Bispos e parte dos prédios antigos.
Posteriormente, a UFOP reivindicou para si a propriedade dos prédios pertencentes à Arquidiocese, o que motivou uma ação judicial julgada favoravelmente à Arquidiocese em todas as instâncias.
 
Após a decisão definitiva da justiça, emitida em 27 de agosto de 2016, que, entre outras determinações, estabelece o fim do comodato, a Arquidiocese tem mantido diálogo de negociação com a UFOP em vista do cumprimento da sentença judicial.
 
Além da restituição do prédio, a sentença determina o pagamento de aluguéis correspondentes ao período entre a notificação da UFOP e a entrega do imóvel. A universidade ressalva que sempre cumpriu o que determina a Lei. “Caso seja confirmada a restituição do imóvel à Arquidiocese, parte das instalações e das atividades do ICHS não teria como ser alocadas no mesmo campus, o que, de imediato, dificultaria e, em médio prazo, inviabilizaria o funcionamento integral do Instituto”, concluiu.
*Fonte: jornal “O Liberal”, edição n° 1270, de 15.12.2017.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Operação Lava Voto

144 milhões de juízes para a Lava Voto?
A condenação de não escolher candidatos sem respeitabilidade e moral pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial

Juan Arias jornalista do jornal El País

     A sociedade brasileira começa a ter a percepção de que o Supremo Tribunal Federal não demonstra muita pressa em condenar os políticos denunciados por corrupção, nem mesmo aqueles que, como o senador Renan Calheiros, são alvo de uma dúzia de acusações. Até agora, o tribunal de primeira instância de Curitiba, por exemplo, já emitiu, na Operação Lava Jato, mais de cem sentenças de condenação, muitas delas confirmadas em segunda instância. O Supremo ainda não apresentou uma condenação definitiva de um político. Assim se chegará às eleições do próximo ano com candidatos a presidente, deputados, senadores e governadores acusados de corrupção, mas ainda sem sentença que os impeça de disputar as eleições, nas quais poderão ser reeleitos e manter assim o foro privilegiado que lhes permite eternizar seus processos no Supremo.
     O que a sociedade pode fazer? A pré-candidata à presidência Marina Silva teve uma ideia que seria bom que viralizasse nas redes sociais: criar um tribunal com 144 milhões de juízes − todos os brasileiros com direito a voto −, que deveriam se negar a votar em qualquer candidato sobre o qual recaia não uma condenação, e sim uma simples acusação ou suspeita de ter usado dinheiro público em vantagem própria. Esses 144 milhões de eleitores-juízes não precisam lutar com os intrincados problemas jurídicos que podem permitir que um réu em um processo de corrupção dispute uma eleição. Para que esses milhões de juízes condenem um candidato, bastará uma simples acusação ou suspeita de que se trate de um político corrupto, porque poderão usar o argumento da moralidade pública que um representante do povo deveria poder demonstrar para pedir seu voto. Afinal, será que faz sentido que um candidato condenado, por exemplo, a vários anos de prisão em segunda instância − e apesar da Lei da Ficha Limpa − possa, por meio de recursos de seus advogados, disputar uma eleição? Legalmente, é possível, moralmente, não deveria sê-lo. Essa condenação de negar o voto a quem não demonstrar ter respeitabilidade e moral suficiente para poder representar a sociedade pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial.
     Será possível alegar que muitos desses milhões de eleitores não contam com informações suficientes sobre os candidatos para poder julgar sua honestidade. Poderia ser assim no passado, mas não agora, quando as técnicas de comunicação permitem conhecer em tempo real a vida e as ações dos cidadãos, ainda mais daqueles que já ocupam cargos públicos. Bastaria apresentar na internet, ou em cartazes nas ruas e praças do país, os nomes dos candidatos à eleição ou à reeleição acompanhados de suas biografias e das acusações ou suspeitas que possam recair sobre cada um deles quanto a condutas moralmente inconciliáveis com o cargo que desejam disputar. Não se trata de um julgamento sumário nas ruas, já que a sentença dos eleitores não tem valor de lei, mas existe a necessidade e o direito do cidadão de saber se a pessoa em quem pensa em votar merece ou não sua confiança no campo da decência moral. Para isso, existem hoje leis severas de transparência, que nos permitem conhecer as condutas dos escolhidos para governar o país. Não se trata de nenhuma caça às bruxas, apenas de saber um mínimo sobre a conduta pública de um candidato.
     Um cidadão tem o direito de se negar a votar em um indivíduo, mesmo que este ainda não tenha sido declarado réu ou condenado por um tribunal de Justiça, se considerar que as denúncias que pesam sobre esse candidato, por parte da procuradoria ou da polícia, são suficientes para alertar o eleitorado antes de lhe conceder um voto de confiança. Eu não voto no Brasil, mas se pudesse fazer isso, não daria meu voto para reeleger um deputado ou senador sobre quem pesa não uma, mas até uma dúzia de acusações que ainda caminham lentamente pelos tribunais superiores, graças, muitas vezes, ao fato de ele ter advogados de renome que conseguem prolongar seus processos.
     Lançar para as próximas eleições a Operação Lava Voto poderia significar o início de uma verdadeira catarse nacional, levando ao Congresso e à Presidência da República pessoas que não parecem ter se sujado com os jogos perversos da corrupção, cujo dinheiro foi subtraído dos hospitais, das escolas ou da pesquisa científica. É dinheiro de todos e de cada um, e por isso existe o direito sagrado de que cada cidadão que se aproxima de uma urna com seu voto possa se transformar em juiz e sem apelação. Se, apesar de tudo isso, houver pessoas que continuem dando seu voto a um candidato sabendo de sua falta de honradez moral, nesse caso serão elas mesmas que se condenarão ante sua consciência.
     O fato de que existe uma grande perplexidade da sociedade brasileira frente à nomeação, por exemplo, do novo presidente da República é demonstrado pelos dados reveladores da última pesquisa do Datafolha, segundo a qual mais da metade dos eleitores ou não sabem ainda em quem vão votar ou não pensam em votar em ninguém, o que pode ser também um voto de resistência cívica. Nesse grupo estão 55% dos eleitores. Poderia parecer indiferença, mas também perplexidade em relação ao momento que vive o país e medo de poder se enganar votando em quem talvez continue agindo dando as costas para a população. Minha convicção, e tomara não me equivoque, é que desta vez, depois da Lava Jato, os cidadãos pensarão duas vezes antes de votar em um candidato, sinal de que, apesar de tudo, estamos diante de uma sociedade fundamentalmente saudável que quer participar ativamente da construção de seu próprio destino, o que seria impossível reelegendo os corruptos ou os que simplesmente têm cheiro de corrupção.
     Marina Silva tem razão, uma Lava Voto seria a melhor culminação da limpeza política iniciada pela Lava Jato, que, apesar da artilharia lançada contra seus juízes e promotores, orquestrada muitas vezes nas sombras pelos corruptos, continua sendo uma das instituições mais valorizadas e mais aplaudidas por uma sociedade que está aperfeiçoando sua democracia.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Supremo cogita liberar larápios VIPS


Josias de Souza

País tem 290 mil presos sem sentença e Supremo cogita liberar larápios VIPs

O Ministério da Justiça divulgou dados atualizados sobre a população carcerária. Um detalhe chama especial atenção: há no Brasil cerca de 290 mil presos sem julgamento. Isso corresponde a 40% do total de encarcerados: 726 mil pessoas. É contra esse pano de fundo que o Supremo Tribunal Federal analisa a hipótese de abrir as portas das celas para os endinheirados e poderosos condenados duas vezes.
Repetindo: num país em que 290 mil cidadãos pobres mofam atrás das grades sem julgamento, a Suprema Corte cogita rever a regra que prevê a prisão de larápios VIPs condenados um par de vezes, na primeira e na segunda instância.
 
Para a casta superior, o direito de recorrer em liberdade. Se possível, até a prescrição dos crimes. Às favas com a dupla condenação! São inocentes até prova em contrário. Quanto aos miseráveis, são culpados até prova em contrário. Se possível, vão em cana como prova em contrário. Assim, não é que o crime não compensa. É que no Brasil, quando compensa, ele tem outro nome. Chama-se impunidade.

Meu comentário: no Supremo Tribunal Federal existem dois tipos de decisões: em decisões apertadas de seis a cinco, há ministros que soltam políticos corruptos e há os que não soltam. A decisão deveria ser unânime, seja pela absolvição ou pela condenação, mas, infelizmente não é assim. Também pudera! Os ministros do STF são escolhidos por uma maioria de senadores corruptos. É a tal mentira constitucional estabelecida pela Constituição Federal que diz que  os poderes são independentes entre si. Me engana que eu gosto.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Governadores impunes


     Segundo a jornalista Laryssa Borges, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem funcionado como uma redoma para garantir a impunidade de governadores denunciados por corrupção. Se os tribunais encarregados dos processos que envolvem autoridades com a mesma celeridade da Justiça do Paraná, onde tramita uma parte da Lava-Jato, a impunidade sofreria um duro golpe. A realidade, lamentavelmente, é o oposto. (...) Apenas na Lava-Jato dezenove governadores acusados de ser destinatários de dinheiro de caixa dois ou oriundo de pagamentos de propina. Três anos depois do inicio das investigações, não há um único governador réu, e sete casos foram arquivados porque o Ministério Público entendeu que faltavam provas.
 
     Aliás, o STJ, que é o foro adequado para julgar governadores, nunca chegou a julgar nenhum deles. Até recentemente, para que isso acontecesse, havia a interpretação de que era necessária uma autorização das Assembleias Legislativas, normalmente controladas politicamente pelos governadores. Ou seja, a autorização nunca era dada, e nada acontecia. Em maio, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a autorização era inconstitucional – e o STJ estava, assim, liberado para julgar os chefes dos Executivos estaduais sem que as Assembleias Legislativas se manifestassem. (...)
Fonte: revista Veja – edição 2559, de 06.12.2017.
 
Meu comentário: no artigo 2° da Constituição Federal está escrito que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No meu entendimento, é a maior mentira constitucional existente no país. Não são independentes entre si, coisa nenhuma, mas sim, somente muito harmônicos na preservação da impunidade de políticos corruptos que assolam o país como uma sistêmica pandemia.

domingo, 3 de dezembro de 2017

No fim do Arco-Íris*


Segundo a jornalista Bianca Alvarenga, demorou quase três décadas, mas finalmente milhares de lesados pelos planos econômicos do passado terão direito a um ressarcimento pelas perdas da caderneta de poupança

     Uma das disputas jurídicas mais antigas do país, que envolve pelo menos 1 milhão de brasileiros que tinham caderneta de poupança no fim dos anos 80 e no início dos anos 90 e foram afetados pelos planos econômicos da época, está próxima de um desfecho. Bancos públicos e privados e representantes dos poupadores, com a intermediação do governo, chegaram aas termos preliminares de um acordo sobre a correção monetária que deve ser aplicada aos saldos existentes no momento em que foram lançados os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991), que mudaram os índices de remuneração das poupanças. Desde então, mas principalmente nos 1990 e 2000, milhares de pessoas entraram na Justiça pedindo reparação pelas perdas que tiveram com as mudanças na caderneta, por meio de ações tanto individuais como coletivas.
    
     Por décadas, os bancos defenderam-se dizendo que apenas cumpriram as decisões do governo (o que é fato) e tentaram alertar que a obrigatoriedade do pagamento da causa bilionária poderia pôr em risco a saúde das próprias instituições. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acabaram aceitando a argumentação do governo e dos bancos, mas deram um prazo para que fosse selado um acordo com os poupadores. Foi o que ocorreu finalmente na semana passada, depois de anos de negociação. Os índices de correção não foram divulgados, tampouco o calendário de pagamento. ,     Mas, no total, serão desembolsados cerca de 10 bilhões de reais, ou uma média de 10000 reais por correntista. Valores mais baixos serão pagos à vista, e os demais, de forma parcelada. Poupadores com maior idade terão preferência no recebimento. Muitos já faleceram, e outros estão em idade avançada. Estima-se que quatro em cada cinco pessoas tenham entre 65 e 85 anos. O governo sinalizou que os herdeiros de quem já morreu poderão resgatar os recursos.
    
     Há cerca de 1 milhão de ações judiciais que envolvem essa causa, segundo estimativa da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa a União nas negociações. Nem todas, porém, deverão se beneficiar do acordo, que ainda precisa ser assinado entre as partes e homologado pelo STF. O pagamento deve ser estendido a quem houver ingressado com ação individual e tiver os comprovantes exigidos. A AGU diz que ainda será analisado se quem não ingressou com ação na Justiça poderá se valer dos efeitos do acordo. O montante de 10 bilhões de reais, embora expressivo, poderia ter sido ainda maior. Estima-se que os bancos tenham separado em seus balanços até 23 bilhões de reais para reparar eventuais perdas. O pleito inicial das entidades que representam os clientes era uma indenização que ultrapassava 30 bilhões de reais.
 
     A esperada homologação do acordo deve pôr um ponto final na disputa. Nos últimos anos diversos encontros terminaram sem consenso – os bancos estavam resistentes a um acordo e contavam com a morosidade da Justiça para pagar as indenizações de forma gradual. Contudo, se o STF decidisse a favor dos poupadores, haveria uma jurisprudência para a questão, e, nesse caso, os bancos seriam obrigados a pagar a totalidade do valor reclamado de uma só vez. Os maiores interessados em firmar o acordo eram a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Estima-se que mais de 70% do valor reclamado está concentrado em cadernetas existentes nas duas instituições públicas, Com o fim da longa novela, o governo festejou o desfecho: a injeção de alguns bilhões de reais na economia deverá contribuir ainda mais para a retomada do crescimento.
*Fonte: revista Veja – edição 2559 – de 08.12.2017.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Feira Multissetorial


Feira Multissetorial fomenta geração de negócios em Mariana (MG)
Fundação Renova participa de evento empresarial com a organização de palestras e painéis sobre empreendedorismo, tecnologia e inovação
 
A promoção do empreendedorismo, o estímulo ao uso de novas tecnologias e a possibilidade de geração de novos negócios estão no foco da 12ª edição da Feira Multissetorial de Mariana – MultiSet 2017. O evento será realizado entre 30 novembro e 2 de dezembro, na Arena Mariana. A feira reúne micro e pequenas empresas dos setores industrial, comercial e de serviços, que tenham interesse em apresentar seus produtos e diferenciais para companhias de maior porte, em um ambiente propício para o desenvolvimento de negócios. A entrada é franca.
Organizada pela Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana (ACIAM) / Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-Mariana), a Feira MultiSet 2017 visa desenvolver o empreendedorismo local. A estrutura do evento é composta pelos stands de expositores, espaço para rodada de negócios, palestras técnicas e motivacionais, cursos e treinamentos e atrações culturais, com programação diversificada.
Neste ano, a Fundação Renova é parceira da Feira MultiSet e apresentará ao público palestras e painéis que estimulam a economia local e fomentam ações de inovação e tecnologia. Com o tema “Empreenda Mariana”, a Feira MultiSet 2017 contará com workshops, apresentações de cases de empreendedores locais e presença de palestrantes, entre eles o ídolo do vôlei, Tande. O ex-jogador vai mostrar – de maneira descontraída e prática –, como funciona a rotina dentro de quadra comparada à empresarial, e como driblar os obstáculos para ter sucesso, com a palestra “A vida é um jogo”. Especialista em varejo e pioneiro no e-commerce, o premiado consultor Fred Rocha é outro dos palestrantes. Dono de uma larga experiência no mercado e expert em “pensar fora da caixa”, ele vai abordar o tema “Nunca Pare de Empreender”.
A programação foi idealizada para que empresários e empreendedores tenham contato facilitado com entidades de referência e representatividade setorial, conheçam seus trabalhos e identifiquem formas de dispor da sua parceria para o fortalecimento do ambiente de negócios local. Passarão pelo palco técnicos, diretores, superintendentes e presidentes de entidades como Sebrae, Fiemg, Federaminas, FCDL, OCEMG, UFOP, Fundação Dom Cabral, dentre outras, além de consultorias de negócio e cases de sucesso local.
Além da participação na feira, a Renova vai promover o Lab Truck Senai. É uma carreta que se transforma em laboratório aberto: um ambiente de conhecimento sobre novas tecnologias e inovação. O objetivo é que estudantes e empreendedores possam experimentar o espaço e pensar em novas possibilidades de negócios e/ou atuação no mercado de trabalho. A programação é gratuita e o Lub Truck funcionará no estacionamento da Arena Mariana, a partir de 30 de novembro, de 9h às 14h.
Segundo Paulo Rocha, líder do programa de Tecnologia e Inovação da Fundação Renova, a Feira MultiSet 2017 é importante por ser uma das principais fomentadoras de negócios em Mariana e região. “As micro e pequenas empresas têm papel-chave no desenvolvimento regional e, certamente, espaços para trocas de experiência, compartilhamento de conhecimento e oportunidades de negócios, que são fundamentais para que elas cumpram esse papel”, destaca Paulo Rocha.
O evento proporcionará ao empresariado oportunidade de geração de novos negócios e investimentos em diversos setores. A feira ainda conta com patrocínio do Governo de Minas por meio da Cemig, e apoio da Vale e da Prefeitura de Mariana. A previsão é de que cerca de 40 micro e pequenos empresários, expositores de produtos e serviços, participem do evento. A organização espera alcançar um público aproximado de 6.000 visitantes durante os três dias de feira, com geração de cerca de R$ 1 milhão em negócios entre as empresas expositoras.
O presidente da ACIAM/CDL Mariana, Geraldo Carvalho, ressalta a importância da Feira Multissetorial para o fomento da economia de Mariana. “Essa é a contribuição da ACIAM para reaquecer o comércio local, criando novas oportunidades e promovendo os negócios entre os empresários. As nossas expectativas são as melhores com a feira, que é o reconhecimento do potencial da nossa cidade para sediar eventos como este”, reforça.
Fonte: Rede/Douglas Comunicação

domingo, 26 de novembro de 2017

Balões de ensaio*


O Congresso e o Supremo discutem o foro privilegiado, mas já há quem defenda abrir uma exceção antes mesmo de estabelecer a própria regra. Se colar, o novo foro incluiria os ex-presidentes da República, o que beneficiaria Lula, Michel Temer... Colou ...além de Dilma Rousseff , José Sarney e Fernando Collor.

Marcela Matos e Laryssa Borges
     Desde que a Lava-Jato avançou sobre a classe política, um jargão ganhou os corredores do poder: “Sem foro, é Moro”. O trocadilho explica por que o presidente Michel Temer deu status de ministro a Moreira Franco, acusado de cobrar propina da Odebrecht, por que Dilma Rousseff, quando ainda governava, tentou fazer de Lula, multi-investigado no petrolão, seu ministro-chefe da Casa Civil. O peemedebista e a petista tentaram blindar seus aliados contra as investigações, livrando-os da pena do juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância. Dilma fracassou, mas Temer conseguiu. Resultado: Moreira continua a despachar no Planalto, enquanto Lula foi sentenciado por Moro a nove anos e seis meses de prisão. Não se trata de um caso isolado. O juiz já condenou 113 réus na maior investigação da história do país. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF), a quem cabe julgar os políticos enredados no escândalo, não condenou ninguém. Gozar da prerrogativa de foro representa, até agora, andar de mãos dadas com a impunidade.
Diante disso, causa perplexidade – aparente, como se verá – que os parlamentares, eles mesmos, estejam querendo restringir o foro privilegiado, pois na quarta feira 22, a Comissão de Constituição e Justiça da (CCJ) da Câmara aprovou um projeto que mantém a prerrogativa apenas para os presidentes dos três poderes, além do vice-presidente da República .Pelo texto, que ainda precisa tramitar por uma comissão especial antes de ser votado no plenário da Casa, não só os congressistas mas ministros de tribunais superiores perdem o direito de ser julgados em instâncias especiais. “Não dá para ter dois pesos e duas medidas. Se o grande argumento para o fim do foro é ter igualdade perante a lei, que seja assim para todos”, diz Efraim Filho (DEM-PB, relator da proposta na Câmara.
O truque é o seguinte. Sob a aparência de uma boa iniciativa, os parlamentares querem incluir os magistrados e procuradores no balaio dos que perdem o foro com o objetivo de constrangê-los e, assim, levá-los a deixar tudo como está. A CCJ também aprovou a restrição com a intenção de embolar um julgamento retomado na quinta-feira 23 pelo Supremo Tribunal Federal. Até o fechamento desta edição, seis ministros do STF votaram por limitar o foro dos parlamentares em casos de crimes relacionados ao próprio mandato. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Ao simularem estar tratando do assunto, os deputados pretendiam dissuadir o STF de discutir o tema. É tão claro que a intenção dos políticos não é limitar o foro que, antes mesmo de ter sido definida uma nova regra, já se começou a discutir uma exceção. O balão de ensaio destina-se a tentar ampliar o rol de contemplados, estendendo a prerrogativa aos ex-presidentes da República, beneficiando Temer, Dilma, Lula, FHC, Collor e Sarney. O mote inicial é evitar que Michel Temer, ao deixar o poder, caia nas mãos de um juiz de primeira instância e acabe na cadeia, enrolado nas malas e nas fitas da JBS. A medida, é claro, também beneficiaria Lula, cujo caso deixaria as mãos de Moro e subiria para o Supremo. “Ex-presidentes têm de ser julgados em tribunal mais qualificado em função da relevância do cargo”, alega o deputado Vicente Cândido (PT-SP), acrescentando que, como condenar ex-presidente “dá ibope”, o juiz de primeira instância pode cair na tentação. Se a restrição do foro se tornar inevitável, os parlamentares pretendem, ao menos, aprovar uma regra de transição, para garantir que os processos em curso, como os da Lava-Jato, continuem no Supremo. Ninguém quer acertar contas com Moro. Todos preferem a lassidão até aqui demonstrada pela mais alta corte do país.
O foro, que beneficia cerca de 55000 pessoas, virou uma distorção. Diz o ministro Luis Roberto Barroso, do STF: “Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes. No Brasil, as pessoas são honestas se quiserem, porque, se não quiserem, não acontece nada”.
*Fonte: revista Veja – edição 2558, de 29.11.2017.

Nas mãos do Supremo


Na sequência abaixo é um desalento para um país que clama por estabilidade jurídica e pelo fim da impunidade de seus cidadãos mais poderosos.

• No dia 11 de outubro, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por 6 votos a 5, decidiu que cabia ao Senado a palavra final sobre as medidas cautelares aplicadas contra o senador Aécio Neves, flagrado achacando em 2 milhões de reais um empresário bilionário.
• No dia 17 de outubro, com base na decisão do STF, o Senado, por 44 votos contra 26, derrubou as medidas cautelares, entre as quais constava o recolhimento noturno do senador, e devolveu-lhe o mandato parlamentar.
• No dia 24 de outubro, depois de assistir ao que transcorrera em Brasília, a Assembleia Legislativa em Cuiabá, por unanimidade, soltou o deputado Gilmar Fabris, preso havia quarenta dias depois de ser filmado fugindo da polícia. De pijama, com uma maleta na mão.
• No mesmo dia, igualmente inspirada no que se passara em Brasília, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, por 19 votos a 1, revogou decisão do Tribunal de Justiça e devolveu o mandato ao deputado Ricardo Motta, acusado num caso de desvio de 19 milhões de reais.
• No dia 17 de novembro, chegou a vez da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que, por 39 votos contra 19, além de uma abstenção e onze ausências, libertou o presidente da Casa, Jorge Picciani, mais dois colegas, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos presos sob acusação de corrupção.
• No dia 21, cinco juízes do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, voltaram a mandar prender o trio de deputados estaduais do Rio de Janeiro. Eles retornaram à prisão no mesmo dia e estão recolhidos na cadeia pública de Benfica, na Zona Norte da cidade.
A balburdia, como ilustra a cronologia acima, começou quando o STF se curvou às pressões do Senado e reinterpretou as leis de modo a aliviar as punições contra o senador Aécio Neves. A senha do alivio percorreu os parlamentos do país como um rastilho de impunidade. Alega-se que assembleias legislativas e câmaras de vereadores estão fazendo uma leitura abusiva da decisão do STF, mas o episódio deixa uma lição inequívoca: O Supremo enredou-se nas malhas do foro privilegiado, reeditou seu entendimento anterior das leis para beneficiar um senador outrora respeitado – e o país agora paga o preço da instabilidade.
Está nas mãos do Supremo retomar o bom caminho.
*Fonte: Carta ao leitor – Veja – edição 2558, de 29.11.2017.

Assim não dá*
Giuliano Guandalini
 
Estudo do Banco Mundial expõe o custo elevado dos servidores públicos brasileiros – e como os seus privilégios agravam a desigualdade de renda no país
Todos são iguais perante a lei. Assim se lê na abertura do artigo 5° da Constituição da República do Brasil, promulgada em 1968. Mas essa mesma Constituição criou uma classe específica de brasileiros: os servidores públicos. Ao contrário da avassaladora maioria dos brasileiros, eles ganharam o direito de se aposentar recebendo o valor integral de quando estavam na ativa - e isso sem falar nas gratificações. O privilegio foi concedido como maneira de ampliar o apoio à nova Constituição, que à época enfrentou a oposição feroz do PT e de diversos sindicatos, e também como instrumento para atrair profissionais qualificados para o governo.Com o passar dos anos, o custo dessa prerrogativa extrapolou os limites do razoável. Há 1 milhão de servidores federais aposentados e eles custam aos cofres públicos 77 bilhões de reais ao ano (ou 77 000 por beneficiado). No regime privado, há 29 milhões de aposentados que custam 150 bilhões de reais (pouco mais de 5 000 por beneficiado). Ou seja, proporcionalmente, um buraco muito menor).
Esse é apenas um dos desequilíbrios analisados no estudo do Banco Mundial intitulado “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do dogasto público no Brasil”, divulgado na semana passada. A parir de comparações internacionais, fica evidente como o governo brasileiro gasto muito- e mal. Pior, em vez de cumprirem o papel de favorecer os pobres e dirimir injustiças, os gastos públicos favorecem pessoas de rendimento elevado e contribuem para o aumento da desigualdade. A aposentadoria média dos trabalhadores da iniciativa privada é de 1240 reais e o teto é de 5.531,31 reais. No mundo da fartura do setor público, o valor máximo equivale ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de 33.763, mas existe muita gente que fatura acima do limite.
A desproporcionalidade não aparece apenas nas aposentadorias. Os servidores federais da ativa ganham, em média, 67% mais do que os empregados em cargos semelhantes no setor privado. É a maior diferença encontrada entre os mais de cinquenta países analisados.
Com 160 páginas, o estudo foi encomendado por Joaquim Levy, então ministro da Fazenda, em 2015. Os autores sugerem uma série de reformas e corte de subsídios que poderiam resultar em uma economia equivalente a 8% do PIB (mais de 500 bilhões de reais). A divulgação do trabalho veio a calhar para Michel Temer, que tenta emplacar a reforma da Previdência com o argumento de que é necessário extinguir privilégios. Será um ganho para o país se, nesta batalha, Temer for bem sucedido.
*Fonte: revista Veja – edição 2558, de 29.11.2017.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ao restabelecer prisões TRF-2 dá aula ao STF

   
Josias de Souza é jornalista e colunista da Folha de São Paulo

Em decisão unânime —5 votos a 0 —, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região restabeleceu a ordem de prisão contra três caciques do PMDB do Rio de Janeiro: Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi. Com essa decisão, os desembargadores do TRF-2 deram uma lição ao Supremo Tribunal Federal. Ensinaram o seguinte: quando a Justiça não faz da roubalheira uma oportunidade para impor a lei, os tribunais viram uma oportunidade que os larápios aproveitam.
Presos na semana passada, os três xamãs do PMDB fluminense foram libertados por decisão da Assembleia Legislativa do Rio. Abriram-se as celas sem que ao menos o TRF-2 fosse comunicado sobre a revogação de sua decisão. Nesta terça-feira, ao discorrer sobre a encrenca, um dos desembargadores do tribunal, Paulo Espírito Santo, disse ter enxergado as imagens dos deputados deixando o presídio de carro, sem ordem judicial, como “um resgate de filme de faroeste”.
O doutor resumiu assim a cena: “Acabo de ver, na sexta-feira passada, algo que nunca imaginei ver na vida. Nunca vi uma coisa dessas. Não há democracia sem Poder Judiciário. Quando vi aquele episódio, que a Casa Legislativa deliberou de forma absolutamente ilegítima, e soltou as pessoas que tinham sido presas por uma Corte federal, pensei: o que o povo do Brasil vai pensar disso? Pra quê juiz? Pra quê Ministério Público? Pra quê advogado? Se isso continuar a ocorrer, ninguém mais acreditará no Judiciário. O que aconteceu foi estarrecedor. Que país é esse?”
O desembargador Espírito Santo não disse, talvez por cautela, mas o Brasil virou um país em que a Suprema Corte às vezes fica de cócoras quando o Poder Legislativo faz cara feia. Assim procedeu ao lavar as mãos no caso do tucano Aécio Neves, autorizando o Senado a anular sanções cautelares como a suspensão do mandato e o recolhimento domiciliar noturno. Conforme já noticiado aqui, o STF tinha a exata noção de que abria um precedente que não passaria em branco nos Estados.
O debate sobre as prerrogativas dos legislativos para revogar prisões e sanções impostas a parlamentares federais e estaduais ainda vai dar muito pano para a manga. No Rio, a maioria cúmplice da Assembleia não há de ficar inerte. Farejando o cheiro de queimado, outro desembargador, Abel Gomes, mencionou inclusive a hipótese de o TRF-2 requerer ao STF intervenção federal na Assembleia fluminense.
A confusão certamente chegará ao Supremo, oferecendo aos ministros a oportunidade de se reposicionar em cena. Sob pena de desmoralização do Judiciário. Na antessala das urnas de 2018, não restará ao brasileiro senão a alternativa de praguejar na cabine de votação: ''Livrai-me da Justiça, que dos corruptos me livro eu”.


Após parir Aécio, STF terá de embalar Picciani     
Josias de Souza
Apenas um brasileiro em um milhão é capaz de entender a confusão jurídica que o Supremo Tribunal Federal provocou ao lavar as mãos no caso de Aécio Neves. Mas basta entrar em qualquer boteco de Copacabana que a encrenca está lá. A coisa ferveu depois que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tentou sumir com o sabonete no caso que envolve o deputado estadual Jorge Picciani e Cia..
A procuradora-geral Raquel Dodge levou ao Supremo a queda de braço travada entre o Legislativo fluminense e a Justiça. Sustentou que a votação da Assembleia que anulou a prisão e a suspensão do mandato de três caciques do PMDB — já devolvidos à cela pelo TRF-2— ofende as leis e a Constituição. A doutora pede que a decisão da Assembleia do Rio seja anulada, esclarecendo-se que o veredicto do Supremo que favoreceu Aécio não vale para parlamentares estaduais.
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo autorizaram o Senado a devolver a Aécio o mandato e anular sanções impostas ao senador tucano por uma turma da própria Suprema Corte. Um ano antes, os ministros tinham decidido o contrário num processo envolvendo Eduardo Cunha. Afastaram-no da presidência da Câmara e do exercício do mandato. Por causa disso, Cunha foi cassado, preso e condenado por Sérgio Moro. Não saiu mais da cadeia.
Os ministros que estenderam a mão para Aécio sustentam que o Supremo não foi contraditório ao ignorar que tratara Cunha a pontapés. Faz sentido. Não é que a Corte máxima do Judiciário brasileiro seja incoerente, apenas possui jurisprudência múltipla. O frequentador de boteco também não é contra o roubo. O que ele não suporta é a ideia de continuar sendo roubado por aqueles que foram eleitos para representá-lo.
Embora não ignorassem que o refresco servido a Aécio seria replicado nos Estados, os ministros do Supremo reclamam do mau uso do precedente. Ainda não se deram conta do papelão em que se meteram. Magistrado que se queixa da aplicação da jurisprudência que ajudou a criar é como um comandante de navio que reclama do mar.
O Supremo terá de operar uma mágica retórica para atender aos pedidos da procuradora-geral Raquel Dodge. São conhecidas as histórias de gente tirando gênios da garrafa. Mas ainda não se ouviu nada a respeito de gente obrigando o gênio a fazer o caminho de volta.
Quem pariu Aécio que embale Picciani. Não será simples. É como se o cozinheiro de um botequim prometesse desfritar um ovo na frente dos frequentadores do estabelecimento. Como ninguém conseguiu realizar semelhante façanha, os magistrados logo perceberão que a respeitabilidade do Judiciário é como a virgindade. Perdeu está perdida. Não dá segunda safra.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Liberação de parlamentares presos será questionada no STF


Associação de juízes considera inconstitucional expedição de um alvará de soltura pelo legislativo
“Doutrina Aécio” foi base para Alerj tirar Picciani e mais dois deputados da cadeia
Após a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) decidir tirar da cadeia o presidente da Casa, Jorge Picciani, o deputado Paulo Melo e o líder do governo, Edson Albertassi, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) informou ontem que vai questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) decisões dos Legislativos estaduais que liberaram parlamentares da prisão.

“A decisão é inconstitucional porque não tem previsão para isso. Entendemos como inconstitucional e ilegal a expedição de um alvará de soltura sem passar pela juiz. Eles estão expedindo alvará e as secretarias de Segurança estão cumprindo. Isso compete ao Poder Judiciário”, disse o presidente da AMB, Jayme Oliveira.
O magistrado afirma que, mesmo nos casos em que a Constituição estadual dá poder a Assembleia Legislativa para rever prisão de deputados, essa norma vai contra a Constituição Federal. A constituição do Rio confere essa prerrogativa à Alerj. “Não se aplica, nem que a Constituição do Estado diga isso”, afirmou.
Oliveira disse que deputados estaduais estão derrubando decisões do Judiciário com base no julgamento do STF no caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A jurisprudência está sendo chamada de “doutrina Aécio”. Por maioria, o plenário da Corte decidiu que medidas cautelares diversas da prisão preventiva – já prevista na Constituição – que interferem no cumprimento do mandato também precisam passar pelo crivo do Congresso após determinadas pelo Poder Judiciário. A AMB vai entrar com uma ação para que o STF limite a decisão do caso Aécio apenas para membros o Congresso.
“A finalidade da norma é proteger o mandado, mas isso não vai ao ponto de proteger aqueles que estão cometendo crimes numa situação excepcional que o Brasil vivencia. Estamos vendo uma série de crimes envolvendo grupos de parlamentares, não faz sentido impedir de parlamentares serem processados”, disse Oliveira.
Por 39 votos a 19, e uma abstenção, em apenas 20 minutos, a Alerj decidiu soltar Picciani, Melo e Albertassi. A decisão garantiu aos três a permanência do mandato, desfazendo a decisão da segunda instancia do Judiciário no Rio. Pelo menos dois deputados estaduais do país que estavam afastados do cargo pela Justiça, um de Mato Grosso e outro no Rio Grande do Norte, já foram beneficiados. No caso mato-grossense, a Assembleia revogou a prisão preventiva do deputado estadual, Gilmar Fabris (PSD). No Rio Grande do Norte, a Assembleia Legislativa derrubou o afastamento do deputado Ricardo Mota (PSB).
Comentário: como se lê acima, a Associação de Magistrados Brasileiros já anunciou que vai recorrer ao STF para tentar derrubar a proteção aos deputados estaduais. Será divertido acompanhar o julgamento pela TV Justiça. Conforme já comentado aqui, o Supremo virou ex-Supremo ao evoluir do rigor contra Eduardo Cunha para a suavidade com Aécio Neves. Segundo o colunista Josias de Souza, os ministros terão de fazer mágica para construir uma terceira jurisprudência para diferenciar os corruptos estaduais. Tirar coelhos da cartola talvez não seja o bastante. Será preciso tirar cartolas de dentro do coelho...

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Casas legislativas viraram tribunais de exceção

Josias de Souza é jornalista e colunista

Ao livrar da cadeia três parlamentares soterrados por evidências de corrupção, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro consolida um fenômeno ruinoso. Está entendido que o Congresso Nacional e os legislativos estaduais tornaram-se tribunais de exceção.
Elaborada nas pegadas da queda da ditadura militar, a Constituição de 88 cercou os parlamentares de imunidades que protegiam o exercício do mandato. Os autores do texto constitucional não poderiam supor que o antídoto da imunidade viraria no futuro o veneno da impunidade. O Supremo Tribunal Federal poderia colocar ordem na gafieira. Mas preferiu atravessar o samba ao omitir-se no caso de Aécio Neves. Uma maioria de cúmplices e de compadres devolveu ao senador tucano o mandato e a liberdade noturna que a 1ª Turma da Suprema Corte havia cerceado.
Estabeleceu-se a partir de Brasília uma atmosfera de vale-tudo que anula o movimento benfazejo inaugurado pela Lava Jato. Tinha-se a impressão de que o Brasil ingressara numa nova fase - uma etapa em que todos estariam submetidos às leis. Devagarzinho, o país foi retomando a rotina de desfaçatez. Brasileiros com mandato continuam se comportando como se não devessem nada a ninguém, muito menos explicações.
Congelaram-se as investigações contra Michel Temer. Enfiaram-se no freezer também as denúncias contra os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha. Enquanto Curitiba e Rio de Janeiro produzem condenações em escala industrial, a Suprema Corte não sentenciou um mísero réu da Lava Jato. Em vez disso, preferiu servir refresco a Aécio Neves, instalando nas Assembleias Legislativas um clima de liberou geral que resulta em absurdos como o que se verifica no Rio.
Transformados em tribunais de exceção, os legislativos conspurcam a democracia. Neles, políticos desonestos livram-se de imputações criminais não pelo peso dos seus argumentos, mas pela força do corporativismo. Simultaneamente, a sociedade é condenada ao convívio perpétuo com a desonestidade impune. Fica-se com a impressão de que a turma do estancamento da sangria está muito perto de prevalecer.

Bretas: STF pode criar ‘pessoas imunes’ às leis
Marcelo Bretas, juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro, fez uma avaliação ácida da decisão do Supremo Tribunal Federal que transferiu para o Poder Legislativo a palavra final sobre punições cautelares impostas a parlamentares. A despeito de toda a cautela que seu ofício impõe, o magistrado declarou: “Não posso comentar decisões do STF. Mas faço uma análise política do dia a dia das investigações criminais. A impressão que tenho é que essa situação, aliada ao foro privilegiado, poderia criar categorias de pessoas imunes ao Direito Penal”.
As declarações de Bretas foram feitas em entrevista publicada na edição desta sexta-feira (17) de O Globo. A conversa ocorreu antes da deflagração da operação Cadeia Velha, que resultou na prisão de três cardeais do PMDB fluminense: os deputados Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Edson Albertassi e Paulo Melo. Sem saber, o juiz soou premonitório, pois o Legislativo estadual ameaça anular a ordem de prisão e a suspensão do mandato dos três parlamentares. Solicitadas pela Procuradoria, as providências foram deferidas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região nesta quinta-feira (16).
Para atenuar os constrangimentos, Picciani, Albertassi e Melo entregaram-se à Polícia Federal pouco depois do veredicto do TRF-2. Passaram a noite no xadrez em que está preso o ex-governador Sérgio Cabral, da mesma facção partidária. Mas não devem permanecer por muito tempo atrás das grades. Conforme já noticiado aqui, os colegas de legislativo começaram a tramar a anulação das sanções impostas aos três antes mesmo do término da sessão do TRF-2. Embalada pelo exemplo do Senado, que anulou sanções impostas a Aécio Neves (PSDB-MG), a Assembleia do Rio equipou-se rapidamente para tentar deliberar sobre a matéria ainda nesta sexta.
Ficou surpreso com o tamanho do esquema de corrupção no Rio?, perguntou-se a Bretas. E ele: “Posso falar sobre o processo da Operação Calicute, que já foi julgado. O que me assustou, naquele caso, foi a extensão e a capilaridade. Parece que tem mais gente envolvida. É uma metástase. A cada hora surgia um personagem novo”.
Bretas considerou “um absurdo” a hipótese de aprovar no Congresso uma nova lei restringindo as delações. Projeto de lei em tramitação na Câmara proíbe, por exemplo, réus presos de negociarem acordos de colaboração judicial. “Restringir a delação é um absurdo”, disse o juiz. “Para quem está colaborando, é um direito de defesa. Não se pode restringir esse direito a pretexto de proteger investigados”.
Para o juiz, há uma reação política à Lava Jato. “Tem e sempre terá”, declarou, antes de fazer uma distinção entre dois tipos de encrencados: “O empresário que se corrompe, que tem uma unidade produtiva, sabe que pode se reerguer. Mas o político corrupto não tem vida própria, é um parasita. Se tirar o poder dele, vai morrer de fome. Grande parte dos colaboradores, normalmente, são empresários. Quem está lutando contra, normalmente, é agente público envolvido com corrupção”
Instado a comentar os diversos habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, para rever decisões suas, Bretas soou como se quisesse realçar sua consciência tranquila: “Sou proibido de fazer comentários sobre decisões de tribunais superiores. Mais importante do que receber decisão contrária de instância superior, é ter a tranquilidade de que se trata de uma decisão puramente técnica e imparcial”.
Bretas comentou também a tese do ministro Luís Roberto Barroso, desafeto de Gilmar no Supremo, segundo a qual está em curso uma ‘operação abafa’ da Lava Jato. “Confio na percepção dele e concordo plenamente. Exemplos disso são as leis aprovadas na madrugada. Desconfio que, na véspera dos feriados de fim de ano, haja tentativa de aprovar mais leis que dificultem as investigações”.
Sobre a possibilidade de o Supremo rever a regra que abriu a porta da cadeia para corruptos condenados em segunda instância, Bretas afirmou: ''Respeito qualquer decisão, porque o Supremo é digno de todo o meu respeito e obediência. A prisão após condenação em segunda instância foi um golpe muito grande na corrupção. Quando o tribunal confirma a sentença condenatória, os recursos disponíveis à defesa já não têm efeito suspensivo, então a decisão tem que ser aplicada…”

Pedidos de bloqueio realçam a fortuna de Lula
O maior problema político de Lula não é o fato de ele ter ficado parecido com os políticos que atacava. Seu principal drama é a evidência de que Lula ficou muito diferente do que diz ser. Num instante em que Lula percorre o país como defensor dos pobres, a Procuradoria pede, em Brasília, o sequestro de seus bens e de seu filho Luís Cláudio no montante de R$ 24 milhões. A defesa de Lula contestou o pedido. Sustentou não haver provas contra ele na Operação Zelotes. Mas não disse nenhuma palavra sobre o valor requerido pelo Ministério Público Federal.
Lula atravessou ileso o escândalo do mensalão. Sobreviveu à ruína produzida por sua criatura Dilma Rousseff. Alvo de diversos inquéritos e ações penais, mantém a pose de perseguido. Condenado a 9 anos e meio de cadeia, conserva-se no topo das pesquisas. Mas deve tornar-se inelegível. E já perdeu aquela aura de político imbatível. Seu prestígio diminuiu na proporção direta do aumento do seu patrimônio.
Este não foi o primeiro pedido de bloqueio de bens. Sérgio Moro mandara sequestrar R$ 10 milhões em julho. Quando o Banco Central achou R$ 600 mil numa conta corrente de Lula, o PT disse em nota que seu líder supremo morreria de fome. No dia seguinte, descobriram-se mais de R$ 9 milhões em planos de previdência privada. Lula dizia ser um palestrante de sucesso. Mas delatores da Odebrecht informaram que as palestras eram mero truque para bancar com dinheiro sujo os confortos de um benfeitor. A fortuna de Lula não combina com os valores morais que ele acha que representa.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Supremo pode avacalhar a Operação Lava Jato


Josias de Souza é jornalista e colunista da Folha de São Paulo

     Vêm aí mais duas boas oportunidades para o brasileiro conferir de que lado está o Supremo Tribunal Federal. A presidente Cármen Lúcia marcou para quinta-feira da semana que vem o julgamento que pode limitar a abrangência do foro privilegiado. Depois, em sessão a ser agendada, a Suprema Corte decidirá se mantém ou não a regra que abriu as portas das cadeias para os condenados na segunda instância. Uma combinação malandra de veredictos pode inaugurar uma pizzaria que servirá impunidade a larápios graúdos e avacalhará a Lava Jato.
 
     Suponha que a maioria dos ministros do Supremo vote a favor da restrição do foro, nos termos propostos pelo relator Luís Roberto Barroso: permanecem no Supremo apenas os processos relativos a crimes cometidos por congressistas e ministros durante e em razão do exercício do mandato ou do cargo público. Nessa hipótese, desceriam do Éden Supremo do Judiciário para o mármore quente da primeira instância todos os processos relacionados à Lava Jato. A arquibancada soltaria fogos.
 
     Agora imagine que, em julgamento posterior, a mesma Suprema Corte decida rever a jurisprudência que autorizou a prisão após a confirmação das sentenças por um tribunal de segunda instância. Neste caso, as sentenças de juízes como Sergio Moro lançarão fachos de luz sobre as propinas e outras delinquências. Mas depois que o país enxergar a roubalheira, as luzes serão apagadas e os condenados recorrerão em liberdade à segunda, à terceira e até à quarta instância do Judiciário. Os processos se arrastarão por mais de dez anos. E muitos serão assados no forno da prescrição.
 
     O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, parecia sentir um cheiro de queimado quando falou sobre o tema numa entrevista ao blog, no mês passado. Ele lamentou a inexistência de punição de criminosos graúdos pilhados na maior investigação anticorrupção da história:
“Faltam os grandes chefes desse esquema criminoso, as pessoas mais responsáveis entre todas por ele, que foram os políticos poderosos que organizaram. Falta a responsabilização deles. E a responsabilização deles tramita exatamente no Supremo Tribunal Federal”.
 
     No fundo, o Supremo Tribunal Federal julgará a si mesmo. Condenou-se à execração quando abriu o caminho, por 6 votos a 5, para o Senado anular as sanções cautelares impostas ao senador tucano Aécio Neves. A plateia tem agora mais um par de oportunidades para verificar se o Supremo utiliza sua supremacia para fazê-la de idiota.


Aos poucos, escracho vira outro nome de normal     
Josias de Souza
 
     O Brasil vive uma espantosa época. Nela, o absurdo adquiriu uma doce e admirável naturalidade. É como se a anormalidade fosse o normal. Dois episódios ocorridos no final de semana desafiam a paciência do brasileiro. Num, o multicondenado José Dirceu foi filmado numa festa sacudindo o corpo e a tornozeleira eletrônica. Noutro, o magistrado Gilmar Mendes encontrou-se com o denunciado Michel Temer.
 
     No mês passado, Gilmar foi acusado pelo colega Luís Roberto Barroso, em plena sessão do Supremo Tribunal Federal, de ser parceiro da “leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”. Não parece preocupado. Dirceu coleciona duas condenações na Lava Jato. Deveria estar preso. Mas também não exibe sinais de preocupação.
Juntas, as penas de Dirceu no petrolão somam 41 anos de cana. Ele estava atrás das grades. Mas a Segunda Turma do Supremo, com o voto favorável de Gilmar, autorizou-o a aguardar o julgamento de recursos em liberdade. Por isso ele dança.
 
     Além de Temer, participou da reunião com Gilmar o ministro Eliseu Padilha. Denunciados por corrupção, Temer e Padilha deveriam ser investigados. Mas a Câmara congelou os processos. E Gilmar acha natural encontrá-los. Algo de absolutamente anormal precisa acontecer em Brasília. Do contrário, o escracho será o outro nome de normal.

domingo, 5 de novembro de 2017

Os príncipes da República


Mailson da Nóbrega
Juízes têm vantagens incompatíveis com a realidade do país

      O Tema é espinhoso, mas deve ser tratado. Existe uma casta de servidores públicos com salários e benefícios difíceis de justificar. Veja-se o caso das aposentadorias. A dos servidores do Judiciário federal é de 24959 reais, em média; a do Legislativo, 28551 reais; a de quem aposenta pelo INSS, 2202 reais.
     O Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. No estudo “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”, Luciano Da Ros mostrou que o Judiciário custava 1,3% do PIB em 2014, mais do que o PIB de oito estados do Norte e Nordeste. Seu orçamento é o mais alto entre as federações ocidentais. A despesa por habitante é superior à de Judiciário da Suécia, Holanda, Itália, Portugal, Inglaterra e Espanha. Quase tudo devido a salários.
A participação dos gastos do Judiciário federal no Orçamento mais que dobrou entre 1988 e 2016, de 1,2% para 2,5%. Enquanto as despesas reais cresceram 3,14 vezes no período, as do Judiciário subiram 6,5 vezes. Parte delas adveio do aumento de demandas judiciais, mas o maior efeito resultou de salários.
     A explicação está na autonomia administrativa e financeira concedida pela Constituição (artigo 99), que permite ao Judiciário enviar seu orçamento diretamente ao Congresso e propor os próprios salários. O Congresso costuma aprovar e o Executivo nunca veta. O mesmo ocorre no Ministério Público e na defensoria Pública.
     Onde revoluções forjaram a democracia moderna – Inglaterra (1688), Estados Unidos (1776) e França (1789) – o envio do orçamento cabe exclusivamente ao Executivo. Na França, o orçamento do Judiciário é executado por um ministério. Aqui a ideia era evitar que o Judiciário fosse manietado financeiramente pelo Executivo, o que jamais fez sentido.
      A Constituição indexou salários de magistrados aos de ministros do Supremo Tribunal Federal (artigo 93, inciso V). Há estados em que mais de 90% dos juízes ganham acima do salário dos Ministros do STF, que é o teto. Isso porque penduricalhos não considerados no teto aumentam os rendimentos. Assim, no Acre juízes ganham mais de 80 000 reais por mês. Outro dia, um juiz de Mato Grosso recebeu atrasados de mais de 500 000 reais. Tudo isso tem aprovação do Conselho Nacional de Justiça, ressalve-se.
     O desembargador Fábio Orieto tomou posse no Tribunal Regional Eleitoral da 3ª Região com um discurso corajoso. Disse que é preciso “superar o modelo corporativo-sindical da Justiça no Brasil”. Para ele, a reforma do Judiciário (2004) não superou os males do patrimonialismo, do clientelismo, do assembleísmo corporativo e da burocratização. Até os reforçou.
     Os salários de juízes devem levar em conta as responsabilidades e as restrições para o exercício de suas nobres funções. Há, todavia, que rever excessos dessa e de outras carreiras, incluindo salários iniciais que superam os de funções semelhantes no setor privado, ideia não aplicável a casos como os de magistrados.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Me engana que eu gosto


Eliane Cantanhêde

     Políticos vivem de mistificações e muitos deles, ao mesmo tempo em que se colocam como vítimas por serem negros, mulheres, (ex) pobres ou de recantos longínquos do país, usam essas mesmas condições para se fazerem populares e abocanharem privilégios. Ninguém desconhece que o Brasil tem ranços racistas e machistas e que a principal origem de nossas piores mazelas está na desigualdade social, mas usar essa triste realidade para detratar os adversários, de um lado, e obter simpatias e boquinhas , do outro, é ilegítimo e cínico.
     A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), é desembargadora aposentada, mulher das leis, mas, quando a lei afeta seus interesses, aí são outros quinhentos. Como mostrou a Coluna do Estadão, ela tentou furar o teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, e acumular R$ R$ 61,4 mil com aposentadoria e salário de ministra, alegando que a adequação à lei, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Logo, quis tirar vantagem com a conexão entre sua condição de negra e a escravidão, quando o teto vale (ou deveria valer) para brancos, negros, mulatos, asiáticos...
     Curiosamente, não há registro de nenhuma manifestação de Valois contra a portaria do trabalho escravo que mobilizou o país. Se alguém no governo botou a boca no trombone, foi a secretária nacional de Cidadania, Flavia Piovesan – aliás, exonerada na quarta-feira pela Casa Civil. Alegação: ela já estava a caminho mesmo de Washington, para representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA. Ah, bom!
     O caso Luislinda Valois remete a um outro personagem que, há décadas, usa a seu favor a imagem de pobre, migrante nordestino, operário e...”de esquerda”. . Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, o inimputável, o que pode tudo, ganhar presentes de empreiteiras, fatiar a propina da Petrobras, ratear estatais e fundos de pensão entre os “companheiro”, jogar as culpas na mulher já falecida, lavar as mãos diante dos erros da pupila feita presidente da República.
     Se Valois quis driblar a lei por ser negra e argumentar contra a escravidão (dela, não dos outros), Lula sempre se pôs acima das críticas, de regras e agora da lei porque tem a biografia que tem. E como cuida bem dessa biografia! Em nome dela e da mítica do nordestino pobre e “perseguido pelas elites”, ele preferiu aceitar sítio, triplex na praia e apartamento em frente ao seu de presente, em vez de simplesmente comprá-los. Seu dinheiro legal dava e sobrava para isso. Mas perder a aura de pobrezinho? Jamais. Esse é o seu “trunfo”.
     A mitificação vale também para o presidenciável Jair Bolsonaro, que se faz passar por “militar” até hoje, angariando apoios e simpatias nas bases das Forças Armadas e de saudosistas da ditaduras, apesar de estar na reserva do Exercito, desde 1988, como capitão, estar na política desde 1990, há quase 30 anos., e desfrutar do seu sétimo mandato como deputado federal.
     Para se consolidar no segundo lugar das pesquisas e escamotear sua falta de condições para disputar a Presidência, o que ficou chocantemente evidente em suas últimas entrevistas, Bolsonaro se esconde por trás da fantasia de “militar”, da mesma forma como Lula usa a de “pobre e do povo”, e Valois, a de “negra vítima da escravidão”.
     São todas mistificações para dourar a realidade ou “enganar um bobo, na casca do ovo”. Não um, mas milhões de bobos que não conseguem ver que Lula, o campeão das pesquisas, é réu seis vezes, já condenado uma vez, e deixou de ser pobre há décadas. E que Bolsonaro, o segundo colocado foi um militar expelido prematuramente da tropa e é um político medíocre, que só sai do anonimato raramente e à custa de bandeiras do atraso. Só não vê quem não quer.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Ministros do STF batem boca


Barroso diz que Gilmar é leniente com os corruptos*

     Os ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes tiveram uma áspera discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal na tarde de ontem. No auge do embate, Barroso acusou o colega de ser leniente com os corruptos. “Não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho-branco” disse Barroso a Gilmar, durante sessão no plenário.
     O julgamento em questão tratava de um caso relativo a tribunais de Contas do Ceará. Foi quando Gilmar resolveu criticar as contas do Rio de Janeiro, Estado de Barroso, dizendo que a unidade não poderia servir de exemplo no país.
 
    “Deve achar que é Mato Grosso”, interrompeu Barroso, completando: “Onde está todo mundo preso”. Gilmar rebateu: “No Rio não estão”, ao que Barroso complementou: “Alias, nós prendemos, e tem gente que solta”, disse em referência ao fato de Gilmar ter soltado diversos investigados da Lava-Jato no Estado.
     Gilmar Mendes disse que soltava usando a Constituição e acusou Barroso de ter livrado José Dirceu ao chegar no STF. “Não sou advogado de bandido”, ironizou. “(Soltei) porque recebeu indulto da presidente da República (Dilma Rousseff)”, justificou Barroso.
    
     Gilmar Mendes discordou, afirmando que Barroso julgou os embargos infringentes de Dirceu. Foi quando o colega ficou mais exaltado. “É mentira. Aliás, Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade. Então eu gostaria de dizer foi solto por indulto da presidente da República. Vossa Excelência está fazendo comício que nada tem a ver com Tribunal de Contas do Ceará. Vossa Excelência está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar este ódio constante que Vossa Excelência tem. E agora o dirige contra o Rio. Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque “A raiva é filha do medo e mãe da covardia”. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro. Não julga, não fala coisas racionais, articuladas, sempre fala coisa contra alguém, sempre está com ódio de alguém, com raiva de alguém. Use um argumento”, disparou, enquanto a ministra Cármen Lúcia tentava encerrar a contenda.
*Fonte: jornal “O TEMPO”, de 27.10.2017.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

A saga de ter um filho transgênero*


O drama dos pais ao descobrir o conflito de identidade de gênero de suas crianças é um turbilhão emocional que passa pelo susto e pelo medo e só sereniza com tolerância e respeito
 
Giulia Vidale
 
     (...) Os transgêneros fazem parte do cotidiano brasileiro, e já não se pode fingir que não existem sob o pretexto de que não combinam com o padrão tradicional. E são muitos – 0,5% da população. No Brasil, isso corresponde a cerca de 1 milhão de pessoas. No mundo, são 35 milhões, o que vale à população de um país como o Canadá. A dificuldade de aceitação , que no passado recente significava condenação ao eterno preconceito, somente agora começa a ser diluída. A condição tecnicamente definida como “disforia de gênero”. Trata-se do desconforto, do descompasso, permanente e completo, entre o sexo biológico e a identidade de gênero. Na idade adulta, pode resultar em isolamento social. Na infância, pode ser ainda mais dramático, se não for bem compreendido.
 
     VEJA acompanhou durante um mês o cotidiano de famílias em que há meninas que não se sentem adequadas com o corpo feminino e meninos que não se reconhecem no corpo masculino – alguns são realmente pequenos, de apenas 6 anos. A reportagem da revista ouviu também pais de transgêneros já adultos. Da conversa com psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e educadores, brota um retrato que vai do medo inicial, do susto com a novidade até, nos casos felizes, ao respeito e carinho, numa estrada sinuosa de emoções infindáveis. Há mais cuidado hoje – e a novela é constatação desse avanço -, mas os problemas de relacionamento são imensos. “Por mais que o assunto esteja nas ruas, é ainda complicado para uma mãe e um pai aceitar a situação de seus filhos na intimidade”, diz a psicanalista Edith Modesto, fundadora do GPH – Grupo de Pais de LGBTI(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero e Intersexuais; os intersexuais são aqueles que nasceram com alguma variação de anatomia do aparelho reprodutor. O apoio da família é o ponto crucial.
 
     (...) Para frear o sofrimento, e para iluminar o assunto, a Sociedade Brasileira de Pediatria lanou recentemente um manual sobre atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes com sinais de transtorno de gênero. Os sinais podem ser a persistência em vestir-se com roupas do sexo oposto, o forte desgosto pela própria anatomia sexual, a preferência por brincar com pares do sexo oposto – atitudes como essas devem permanecer por pelo menos seis meses, de maneira a configurar uma alteração real, que precise ser investigada minuciosamente. Ao redor dos 2, 3 anos, uma criança já se identifica como menino ou menina de forma mais definida – e, no caso de transgênero, a inquietação, a sensação de ser uma peça fora do lugar, pode brotar bem cedo, portanto. É doloroso para as crianças, evidentemente, mas também para os pais.
 
     (...) A questão das intervenções de mudança de sexo é ainda mais complicado. De acordo com a legislação brasileira, o uso de hormônios do sexo oposto só é autorizado depois dos 18 anos. Antes dessa idade, permite-se apenas o bloqueio do hormônio natural do gênero, com o objetivo de evitar que a criança entre na puberdade e desenvolva características associadas ao sexo de nascimento, sempre com a autorização dos pais. Nas meninas, exemplos disso seriam a menstruação e o desenvolvimento das mamas. Nos homens, o surgimento de pelos, do pomo de adão e alterações na voz. Somente depois dos 21 anos são autorizadas a extração dos órgãos e a construção de genitais. Desde 2008 o Sistema Único de Saúde oferece cirurgias de mudança de sexo e terapia hormonal. De lá para cá foram realizados 400 procedimentos hospitalares, em cinco centros autorizados, e 1241 procedimentos ambulatoriais.
 
     (...) Uma criança transgênero vai construindo sua identidade de gênero, mas não se trata de um processo abrupto. Nem mesmo irreversível. O problema é querer solidificar uma identidade na criança antes da hora, diz a psicóloga Rosely Sayão, colunista de VEJA. Cerca de 2% mudam de ideia e desejam voltar ao gênero de nascimento. A dúvida é mais comum na infância. Os médios interrompem o bloqueio hormonal, se ele já estiver sendo praticado, e o organismo retoma as características iniciais. No entanto, no caso de arrependimento aparecer na idade adulta, e a cirurgia de mudança de sexo já tiver ocorrido, dá-se um colossal impasse. Não há reversão saudável para a maioria das operações.
 
     (...) Até o início dos anos 2000, a transgeneridade era tratada como doença pela maioria dos profissionais. Apenas em 2013 a Sociedade Americana de Psiquiatria passou a considerá-la uma condição, e não mais uma patologia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já estuda tirar a transgeneridade da lista de Classificação Internacional de Doenças (CID), também dando um passo decisivo para que o tema deixe de ser conceituado como uma patologia.
(...) Um em cada 15000 meninos faz a transição para menina. Uma em cada 40000 meninas agora é menino. Acompanhamentos psicológicos indicam ser mais fácil para o pais aceitar a transação do feminino para o masculino.
 
     A ciência ainda busca entender o mecanismo que encaminha o desencontro entre mente e corpo. A explicação fisiológica mais aceita envolve alterações cerebrais e hormonais. Haveria um descompasso na produção de hormônios masculinos que circulam no corpo da mãe entre a décima semana de gestação, quando se formam os órgãos genitais, e a vigésima, quando se desenvolve a região cerebral responsável pela identidade de gênero. “Isso abriria brecha para a formação de um cérebro masculino em um corpo feminino, e vice versa”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh.
*Fonte: revista VEJA – edição 2552 – 18.10.2017.

domingo, 15 de outubro de 2017

Falece o inventor do BINA*


Morre o inventor do identificador de chamadas Bina
Mineiro de BH, Nélio José Nicolai brigou anos na Justiça para receber de empresas. Operadoras de telefonia achavam que não haveria mercado para o produto.
 
     O técnico em comunicações Nélio José Nicolai, famoso por ter inventado o identificador de chamadas telefonias – o Bina -, morreu na última quarta-feira, dia 11, em Brasília, aos 77 anos. O enterro do mineiro de Belo Horizonte foi na quita-feira, mas a família só confirmou a morte à imprensa ontem.
     Nicolai, ex-jogador de futebol que seguiu nos estudos tardiamente, contava que o identificador de chamada foi construído no final da década de 70 em uma antiga maquina de calcular – na época, ele era funcionário da Telebras, empresa pública de telefonia.
     Sua invenção causou uma longa disputa judicial. Nicolau chegou a depositar 44 pedidos de registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), até finalmente obter a patente do Bina em 1997. A medida não impediu de que a ideia seja utilizada por outras pessoas ou empresas, mas prevê o pagamento dos direitos.
     Em entrevista À APP, em 2013, Nicolai afirmou que as operadoras que ele procurou para falar sobre o uso da patente nunca foram receptivas.”Uma das empresas me disse: “Vá à Justiça, talvez seus bisnetos recebam algo”. Então eu decidi defender os direitos dos meus bisnetos”, contou.
     Depois disso, Nicolai foi à Justiça pedir o pagamento das operadoras de telefonia que usavam a tecnologia. Em 16 de agosto de 2012, a 2ª Vara Cível de Brasília determinou que as empresas que utilizavam o Bina depositassem, em juízo, 10% dos lucros que tinham com o invento. Porém, isso não demorou muito.
     No mês seguinte, a decisão que determinava que a Vivo depositasse os 10% foi suspensa, sob a alegação de insegurança jurídica. Um processo contra a Claro terminou em acordo, mas o valor exato não foi revelado. “Com o tempo entendi o que realmente é uma invenção. Eu achava que estava quebrando um galho, que era o tal do jeitinho brasileiro”, disse, na época.
 
Outras criações
Nicolai dizia também ter inventado o sistema que avisa quando alguém está ligando durante uma chamada em andamento, registrado no INIPII em 1992, e o que envia SMS de transações financeiras feitas por cartão de crédito. Em entrevista a O TEMPO em 2012, ele contou que, quando uma empresa passava a usar uma de suas ideias, o que Le ouvia era “entre na Justiça e busca seus direitos”.
“Eu me propus a lutar. Quanto mais problemas eu tinha, mais eu trabalhava em outras invenções”, dizia. Nicolai parou de contar suas criações na centésima invenção. Ele deixa quatro filhos, dois netos e muitas invenções.
*Fonte: jornal “O TEMPO”, de 14.10.2017.
 
Meu comentário: na década de 1980, eu comprei aqui em Mariana o Bina na loja do comerciante Décio Saleh. O aparelho funciona bem até hoje. Ele é capaz de registrar 250 chamadas emitidas e 250 chamadas recebidas, com data, horário e tempo de ligação, se foi atendido ou não. Hoje, os telefones modernos só registram a última ligação.
No passado de péssima memória, Bina foi muito importante em Mariana para identificar pessoas covardes que gostavam de chantagear a nossa sociedade. Quando perceberam que os números de seus telefones estavam registrados no Bina, não desistiram e continuaram a nos ameaçar usando os telefones públicos, os famosos “orelhões”. Graças a Deus, Mariana hoje é uma cidade civilizada, sem quaisquer preconceitos.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Dura Lex sed Latex


AGU, Câmara e Senado se desdizem em processo que pode favorecer Aécio Neves

Josias de Souza é jornalista

     O processo sobre medidas cautelares a que estão sujeitos os congressistas que respondem a inquéritos criminais tornou-se um manancial de contradições. Foram anexados aos autos pareceres antagônicos da Advocacia-Geral da União e das assessorias jurídicas da Câmara e do Senado. A encrenca será julgada nesta quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal. O resultado terá influência direta sobre o caso do tucano Aécio Neves, afastado do mandato e proibido de sair de casa à noite.
 
     Em textos encaminhados ao Supremo no ano passado, AGU, Câmara e Senado reconheceram que congressistas sob investigação criminal poderiam, sim, sofrer sanções cautelares. Em novos pareceres, anexados aos autos na semana passada, os três órgãos dão um cavalo de pau jurídico. Sustentam agora que punições cautelares alternativas à prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, simplesmente não podem ser aplicadas contra deputados e senadores.
 
     Determinada por Michel Temer, a meia-volta é mais radical no caso da AGU. No primeiro parecer, de junho de 2016, a Advocacia-Geral da União não só reconhecia os poderes do Supremo para punir cautelarmente congressistas, como dizia que tais punições não dependiam do aval do Congresso. As assessorias jurídicas da Câmara e do Senado sustentavam naquela ocasião que as sanções previstas no Código Penal, quando aplicadas contra deputados e senadores, teriam de ser submetidas em 24 horas ao plenário da respectiva Casa legislativa, que poderia manter ou rever a punição.
     O processo em que a AGU, a Câmara e o Senado se desdizem escancaradamente nasceu de uma ação direta de inconstitucionalidade movida por três partidos: PP, PSC e SD. A ação foi ajuizada em maio de 2016, dias depois de o plenário do Supremo ter aprovado, por unanimidade, a suspensão do mandato do então deputado Eduardo Cunha e o consequente afastamento dele da Presidência da Câmara. Aliados de Cunha, os partidos pediam que o Supremo reconhecesse que as punições cautelares contra parlamentares precisam ser obrigatoriamente submetidas à Câmara ou ao Senado.
    
Relator do processo, o ministro Edson Fachin o mantinha na gaveta até a semana passada. Ali permaneceu por um ano e quatro meses. Foi içado à pauta de julgamento a pedido da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. Ressurgiu em meio a uma pressão do Senado, que ameaça descumprir a decisão da Primeira Turma do Supremo que determinou, por 3 votos a 2, a suspensão do mandato de Aécio Neves, a entrega do seu passaporte, a proibição de falar com outros investigados e o recolhimento domiciliar noturno.
 
     A ação que o Supremo julgará nesta quarta não trata especificamente do caso de Aécio. O grão-tucano ainda não havia sido alvejado pelas delações da JBS. Mas o processo só saiu da gaveta por causa de Aécio. Punido, o senador tucano ganhou a solidariedade instantânea de outros clientes de caderneta da Lava Jato —entre eles Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Fernando Collor. Dependendo do resultado do julgamento desta quarta, o plenário do Supremo pode desautorizar a punição imposta a Aécio pela Primeira Turma da Corte.
 
     Para salvar Aécio, o Supremo terá de fazer uma ginástica interpretativa semelhante à que foi feita pela AGU, pela Câmara pelo Senado. De saída, os ministros teriam de explicar por que abrirão mão agora de um poder que exerceram em sua plenitude em maio do ano passado, ao afastar Eduardo Cunha do mandato num julgamento unânime. Há quatro meses, o próprio Aécio já tivera o mandato suspenso por meio de decisão monocrática (individual) do ministro Edson Fachin.
O processo contra Aécio foi redistribuído para outro ministro: Marco Aurélio Mello. Em decisão liminar (provisória), Marco Aurélio cancelara as punições a Aécio, restituindo-lhe o mandato. Submetida ao colegiado da Primeira Turma, composto de cinco ministros, a liminar foi revista. Por 3 votos a 2, os magistrados ressuscitaram as punições contra Aécio, adicionando a elas o recolhimento noturno, também previsto no rol de sanções alternativas à prisão anotadas no artigo 319 do Código Penal.
     Apinhado de investigados, o Senado tomou as dores de Aécio. E ameaçou derrubar as punições sofridas pelo colega tucano. Sob atmosfera de curto-circuito institucional, Cármen Lúcia, a presidente do Supremo, levou a ação dos partidos aliados de Cunha à pauta. Fez isso para oferecer aos seus colegas de tribunal um pretexto para se reposicionar em cena. É contra esse pano tisnado pelo oba-oba pró-investigados que AGU, Câmara e Senado anexaram ao processo pareceres em que subvertem até o brocardo: em vez de ‘Dura Lex, sed lex’ (a lei é dura, mas é lei), agarram-se ao ‘Dura Lex, sed latex’ (a lei é dura, mas estica).