quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Loteria no STF é o pior cenário*

Ricardo Corrêa

    Não tem sido exagero dizer que o futuro jurídico - dentro ou fora da cadeia – dos acusados de corrupção no Brasil depende mais de sorte do que efetivamente de culpa nos casos em que são acusados. O Supremo Tribunal Federal (STF), onde desembocam não apenas os casos de autoridades com foro privilegiado, mas também os recursos dos que são investigados e processados em instancia superior, tornou-se cenário de uma grande loteria, o que é péssimo para o país.
Não é legítimo que um pague e outro não simplesmente porque o sorteio os colocou nas mãos de dois juízes com visões completamente diferentes sobre o que ocorre no Brasil. É o que se dá claramente na composição atual da Corte.
    Azar de quem tiver seus processos e recursos caindo nas mãos de Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso. Em especial, do primeiro e do último. Sorte de quem teve a doce notícia de que terá sua situação analisada por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski ou Alexandre de Moraes. Os demais três ministros do STF – Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia – ainda oscilam pendendo para um lado ou para outro, mas no caso dos oito primeiros ministros citados, quase sempre é possível prever como serão suas decisões.
    Na mesma semana, vimos decisões de Gilmar, monocráticas ou votações colegiadas que contaram com o voto de Toffoli, liberando acusados que estavam presos, proibindo conduções coercitivas e barrando processos contra envolvidos em escândalos de corrupção. . De outro lado, vimos a determinação de Barroso para que um deputado perdesse o foro privilegiado em um caso a seu mandato e o folclórico deputado Paulo Maluf sendo mandado para o xadrez, após uma monocrática interpretação de que seu recurso era incabível.
    Decisões tão distintas, por si só, já são preocupantes. Embora sempre tenham ocorrido divergências – Marco Aurélio Mello, que ganhou o apelido de “voto vencido” sabe muito bem -, elas se acentuaram na atual composição do STF. E, para piorar a situação, elas passaram a se tornar muito nítidas na divisão das turmas. A Primeira Turma é o inferno, com os juízes mais duros (Fachin, Rosa e Fux) formando o placar de 3 a 2 contra os mais garantistas (Morais e Marco Aurélio). A segunda, o paraíso, com Gilmar, Toffoli e Lewandowski formando maioria com frequência diante de Celso de Mello e Fachin. Por azar dos investigadores e sorte dos investigados da Lava Jato, a operação caiu justamente neste grupo.
    Ocorre, põem, que nem todos os casos de corrupção guardam vinculação com a Lava Jato. E quem lutou para tirar suas situações das mãos de Fachin, como foi o caso do senador Aécio Neves, com o objetivo de fugir de um relator mais duro, acabou vendo tiro sair pela culatra. Seu caso migrou para a Primeira Turma e, não fosse a intervenção polêmica do plenário do STF e o corporativismo de seus colegas, ele possivelmente estaria proibido de sair de casa à noite e de ir ao Congresso até hoje.
Independentemente de quem está certo – se o grupo de Fachin ou o de Gilmar, o certo é que não é justo nem faz bem que as interpretações do direito sejam tão díspares no momento em que o país tenta enfrentar a chaga da corrupção. É o que permite que uns ou outros por aí se digam perseguidos, enquanto outros sejam apontados como protegidos por uma lógica que pouca gente entende.
Fonte: jornal "O Tempo", edição n° 7679, de 23.12.2017.          

sábado, 23 de dezembro de 2017

Os estragos causados por Gilmar Mendes à Lava Jato*


O ministro Gilmar Mendes lidera uma corrente no Supremo que resiste à Lava Jato e tem favorecido acusados de corrupção

DÉBORA BERGAMASCO

     Em meio a balões vermelhos e anjos de pano com enfeites dourados, o ex-governador Anthony Garotinho celebrou o fim de quase um mês de prisão, entre a cadeia de Benfica e a penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro. Sua mulher, a ex-governadora Rosinha Matheus, e sua filha, a deputada Clarissa Garotinho, o aguardavam na chegada, na quinta-feira (21), com um prato de sopa leve sobre a mesa de casa. Um grupo de oração já estava escalado para se reunir durante o fim de semana para agradecer a Deus a benesse concedida a Garotinho. A reza era endereçada a Deus no céu e na Terra ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proferiu a decisão logo no primeiro dia de seu plantão durante o recesso do Judiciário.

Garotinho é acusado de receber cerca de R$ 3 milhões de propina da JBS na eleição de 2014. Sua prisão foi feita com base nos depoimentos e dados fornecidos pelos delatores do grupo, hoje presos também. Natal tranquilo e em paz será desfrutado também por seu companheiro de acusação. Presidente do partido de Garotinho, o PR, o ex-­senador e ex-ministro Antonio Carlos Rodrigues também ganhou o benefício de passar o Natal em casa, não na penitenciária. Acusado de negociar propina de R$ 3 milhões da JBS, Rodrigues ficou uma semana foragido antes de se entregar, numa afronta à lei.

A elite política vence a Lava Jato
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes garantiu boas-festas a mais oito políticos e empresários acusados – ou suspeitos – de cometer crime de corrupção. A ex-primeira-dama do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo foi condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de corrupção comandado pelo marido, o ex-governador Sérgio Cabral. Nesta semana, Adriana foi agraciada pela segunda vez com o direito de cumprir prisão domiciliar. Trocou a cadeia de Benfica, onde estava detida desde 23 de novembro, pelo confortável apartamento no Leblon. O ministro Gilmar Mendes aceitou os argumentos da defesa, de que ela precisa cuidar do filho de 12 anos. Disse que a condição financeira privilegiada de Adriana não poderia “ser usada em seu desfavor”.
Gilmar Mendes é um ministro de perfil “garantista”, que prefere não enviar pessoas para a prisão. Nos últimos dias, no entanto, sua postura foi além do garantismo, para adentrar o terreno do “abolicionismo”, que consiste não só em não prender, como em libertar quem for possível da cadeia ou de investigações e denúncias. É notória sua postura contrária à Lava Jato e, principalmente, ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Na terça-feira (19), Gilmar Mendes lembrou-se do desafeto ao votar no caso conhecido como quadrilhão do PMDB, no qual são réus os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-­assessor do presidente Michel Temer Rodrigo Rocha Loures, o homem da corridinha com a mala de R$ 500 mil.

O Supremo decidiu tirar o julgamento da turma das mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, e passar para o juiz Vallisney Oliveira, em Brasília. Gilmar Mendes foi dos que votaram para tirar o caso de Moro e, como se tratava de uma investigação de Janot, aproveitou para criticar a homologação da delação da JBS, aquela que quase derrubou o presidente Michel Temer. Mendes considera que foi um erro do Supremo. “Investigação malfeita, junta o áudio e não pede perícia. O que nós estamos vendo aqui na verdade é a descrição de um grande caos. Serviço malfeito, apressado, ‘corta e cola’, com as contradições que foram aqui apontadas. Isso é vexaminoso para o tribunal”, disse. “Combate à corrupção se faz nos termos da lei, na forma da lei. Essas são as bases do estado de direito. O resto é bravata, é discurso”.

Adiamento de julgamento no STF atrapalha a Lava Jato
Apesar das discordâncias com a Lava Jato, do estilo mais agressivo, Gilmar Mendes não se encaixa na figura do ministro voto vencido, como já foi o colega Marco Aurélio Mello – que, recentemente, expôs a má relação com Mendes nos termos de um duelo. Como aconteceu no caso do quadrilhão, Gilmar Mendes tem apoio no plenário. Tem sido seguido em seus entendimentos pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, seus colegas na Segunda Turma. Os três costumam concordar nas críticas a acordos de delação premiada, o motor investigatório da Lava Jato. Há pouco mais de um mês, Lewandowski deixou o tribunal e os investigadores atônitos ao não homologar a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, que devasta o PMDB do Rio, feita nos mesmos parâmetros de outras aceitas pelo Supremo.
Na tarde da segunda-feira (18), a Segunda Turma estava desfalcada de Lewandowski, em licença médica, e de Celso de Mello, que passara por um episódio de pressão alta. Com apenas três ministros, o relator da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, sugeriu adiar o exame das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Lava Jato contra o senador Benedito de Lira e seu filho, o deputado Arthur Lira; contra o deputado Eduardo “Dudu” da Fonte e o deputado José Guimarães, do PT.
Os colegas não concordaram. O que se seguiu foi uma dobradinha Mendes-­Toffoli em favor dos quatro acusados. O senador Benedito de Lira e o filho, ambos do PP, eram acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por terem recebido R$ 2,6 milhões em propina do esquema da Petrobras. Foram liberados.

O deputado Dudu da Fonte era acusado de participar de um conluio para cobrar propina para barrar investigações da CPI da Petrobras, em 2009. Primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou que Dudu intermediou um encontro com o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e que o partido levou R$ 10 milhões para esfriar a CPI. Há um vídeo do encontro. “O simples fato de o denunciado Eduardo da Fonte e o senador Sérgio Guerra terem se encontrado com Paulo Roberto Costa em algumas oportunidades não traduz, por si só, seu concurso para a solicitação de vantagem indevida”, disse o ministro Dias Toffoli. Com o voto de Gilmar Mendes, Dudu escapou. Também foi para o arquivo a denúncia de lavagem de dinheiro e corrupção passiva contra o deputado José Guimarães, do PT do Cea­rá, acusado de receber propina de quase R$ 100 mil da construtora Engevix.
 
Além das libertações e do arquivamento em série na Segunda Turma, no mesmo dia Gilmar Mendes concedeu uma liminar que suspendeu um inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o governador do Paraná, Beto Richa, do PSDB. Ele é suspeito de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. “O Ministério Público local não apenas invadiu, por duas vezes, a competência da Procuradoria-Geral da República e do Superior Tribunal de Justiça, mas também o fez oferecendo ao acusado benefícios sem embasamento legal”, disse. Richa não pode nem ser investigado.
Na terça-feira (19), antes de começar o recesso e após a sucessão de decisões, ministros do Supremo falaram reservadamente sobre suas preocupações em torno da volta da impunidade dos poderosos, que parecia uma conquista recente iniciada no mensalão e que ganhara corpo com a Lava Jato. Da conversa saiu a convicção, segundo relatos feitos a ÉPOCA, de que nunca fez tanto sentido a existência de uma iniciativa para “estancar a sangria” (leia-se a Lava Jato), a inesquecível expressão do presidente nacional do MDB, senador Romero Jucá.

Diversas ações recentes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário ameaçam a Lava Jato. Na última delas, na mesma terça-feira, o ministro Gilmar Mendes suspendeu, em decisão liminar, o uso da condução coercitiva, ou seja, quando a pessoa é levada pela polícia de forma forçada para depor sem intimação prévia. Apenas o juiz federal Sergio Moro autorizou 225 pedidos assim na Lava Jato. O caso mais conhecido é o do ex-presidente Lula, ocorrido em março do ano passado. Como o Judiciário está em recesso até fevereiro, a decisão de Gilmar Mendes prevalecerá até lá. O país terá tempo de entender melhor o que aconteceu no final de 2017.
*Fonte: revista Época.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Justiça determina desocupação de prédios do ICHS em Mariana*


     Uma ordem Judicial de desocupação de alguns prédios do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que fica na cidade de Mariana, tem causado indignação e muito debate na Região dos Inconfidentes. A Arquidiocese de Mariana, que cedeu o imóvel em regime de comodato em 1980, para que a UFOP se instalasse em Mariana, moveu uma ação na Justiça que solicita a devolução de alguns prédios que compõe a instituição.
Vários movimentos são organizados com o intuito de que a instituição permaneça na cidade. A Arquidiocese afirma que está em diálogo constante e que o caso ainda não foi definido.
 
     Em nota, o arcebispado garantiu que em nenhum momento solicitou a reintegração dos prédios e nem se negou ao diálogo e ainda explica que só entrou com o processo “devido a uma ação do Ministério Público que pretendia aplicar uma multa diária ao ex-arcebispo Dom Luciano, caso não restaurasse o Palácio dos Bispos, que naquele momento estava em posse da UFOP”.
 
     Como forma de reverter a decisão, a comunidade em geral promoveu reuniões com o objetivo de ampliar o debate. O movimento ganhou apoio de diversas autoridades. Uma comissão foi formada para tratar do assunto de forma organizada, sendo composta pela reitora da UFOP, Cláudia Aparecida Marliére, da diretora do ICHS, Margareth Diniz, e do prefeito de Mariana, Duarte Junior.
Uma das primeiras ações foi o ato público ocorrido na manhã da quarta-feira (13) com manifestações pelas ruas de Mariana, o #ficaUFOPmariana. Na tarde do mesmo dia ocorreu uma reunião entre representantes das duas instituições que chegaram a um acordo.
 
     O advogado do arcebispado pedirá a suspensão do processo por 90 dias para que, nesse prazo haja uma conciliação entre as partes. A Universidade aceitou a proposta da suspensão do processo e irá estudar uma proposta. A próxima reunião ficou agendada para o dia 07 de fevereiro.
Também em nota, a universidade reforçou seu compromisso e respeito para com a comunidade de Mariana, reforçando que tem buscado, por meio do diálogo e de recursos legais, permanecer com o ICHS no município, “polo importante e estratégico para o desenvolvimento da Região dos Inconfidentes. Assim, reitera a necessidade de a UFOP continuar com o seu legado no município, iniciado em 1979, com a criação do Instituto, pois o ICHS é Mariana!”.

Entenda o caso
Segundo a Arquidiocese, na década de 1980, o arcebispado cedeu em comodato à UFOP o prédio do antigo Seminário Nossa Senhora da Boa Morte, por 50 anos, e o denominado Prédio das Aulas e o Palácio dos Bispos, por 30 anos.
 
     Em contrapartida, a UFOP se responsabilizaria pela restauração e conservação desses prédios, o que não ocorreu em relação ao Palácio dos Bispos e parte dos prédios antigos.
Posteriormente, a UFOP reivindicou para si a propriedade dos prédios pertencentes à Arquidiocese, o que motivou uma ação judicial julgada favoravelmente à Arquidiocese em todas as instâncias.
 
Após a decisão definitiva da justiça, emitida em 27 de agosto de 2016, que, entre outras determinações, estabelece o fim do comodato, a Arquidiocese tem mantido diálogo de negociação com a UFOP em vista do cumprimento da sentença judicial.
 
Além da restituição do prédio, a sentença determina o pagamento de aluguéis correspondentes ao período entre a notificação da UFOP e a entrega do imóvel. A universidade ressalva que sempre cumpriu o que determina a Lei. “Caso seja confirmada a restituição do imóvel à Arquidiocese, parte das instalações e das atividades do ICHS não teria como ser alocadas no mesmo campus, o que, de imediato, dificultaria e, em médio prazo, inviabilizaria o funcionamento integral do Instituto”, concluiu.
*Fonte: jornal “O Liberal”, edição n° 1270, de 15.12.2017.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Operação Lava Voto

144 milhões de juízes para a Lava Voto?
A condenação de não escolher candidatos sem respeitabilidade e moral pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial

Juan Arias jornalista do jornal El País

     A sociedade brasileira começa a ter a percepção de que o Supremo Tribunal Federal não demonstra muita pressa em condenar os políticos denunciados por corrupção, nem mesmo aqueles que, como o senador Renan Calheiros, são alvo de uma dúzia de acusações. Até agora, o tribunal de primeira instância de Curitiba, por exemplo, já emitiu, na Operação Lava Jato, mais de cem sentenças de condenação, muitas delas confirmadas em segunda instância. O Supremo ainda não apresentou uma condenação definitiva de um político. Assim se chegará às eleições do próximo ano com candidatos a presidente, deputados, senadores e governadores acusados de corrupção, mas ainda sem sentença que os impeça de disputar as eleições, nas quais poderão ser reeleitos e manter assim o foro privilegiado que lhes permite eternizar seus processos no Supremo.
     O que a sociedade pode fazer? A pré-candidata à presidência Marina Silva teve uma ideia que seria bom que viralizasse nas redes sociais: criar um tribunal com 144 milhões de juízes − todos os brasileiros com direito a voto −, que deveriam se negar a votar em qualquer candidato sobre o qual recaia não uma condenação, e sim uma simples acusação ou suspeita de ter usado dinheiro público em vantagem própria. Esses 144 milhões de eleitores-juízes não precisam lutar com os intrincados problemas jurídicos que podem permitir que um réu em um processo de corrupção dispute uma eleição. Para que esses milhões de juízes condenem um candidato, bastará uma simples acusação ou suspeita de que se trate de um político corrupto, porque poderão usar o argumento da moralidade pública que um representante do povo deveria poder demonstrar para pedir seu voto. Afinal, será que faz sentido que um candidato condenado, por exemplo, a vários anos de prisão em segunda instância − e apesar da Lei da Ficha Limpa − possa, por meio de recursos de seus advogados, disputar uma eleição? Legalmente, é possível, moralmente, não deveria sê-lo. Essa condenação de negar o voto a quem não demonstrar ter respeitabilidade e moral suficiente para poder representar a sociedade pode ser tão ou mais eficaz do que uma condenação judicial.
     Será possível alegar que muitos desses milhões de eleitores não contam com informações suficientes sobre os candidatos para poder julgar sua honestidade. Poderia ser assim no passado, mas não agora, quando as técnicas de comunicação permitem conhecer em tempo real a vida e as ações dos cidadãos, ainda mais daqueles que já ocupam cargos públicos. Bastaria apresentar na internet, ou em cartazes nas ruas e praças do país, os nomes dos candidatos à eleição ou à reeleição acompanhados de suas biografias e das acusações ou suspeitas que possam recair sobre cada um deles quanto a condutas moralmente inconciliáveis com o cargo que desejam disputar. Não se trata de um julgamento sumário nas ruas, já que a sentença dos eleitores não tem valor de lei, mas existe a necessidade e o direito do cidadão de saber se a pessoa em quem pensa em votar merece ou não sua confiança no campo da decência moral. Para isso, existem hoje leis severas de transparência, que nos permitem conhecer as condutas dos escolhidos para governar o país. Não se trata de nenhuma caça às bruxas, apenas de saber um mínimo sobre a conduta pública de um candidato.
     Um cidadão tem o direito de se negar a votar em um indivíduo, mesmo que este ainda não tenha sido declarado réu ou condenado por um tribunal de Justiça, se considerar que as denúncias que pesam sobre esse candidato, por parte da procuradoria ou da polícia, são suficientes para alertar o eleitorado antes de lhe conceder um voto de confiança. Eu não voto no Brasil, mas se pudesse fazer isso, não daria meu voto para reeleger um deputado ou senador sobre quem pesa não uma, mas até uma dúzia de acusações que ainda caminham lentamente pelos tribunais superiores, graças, muitas vezes, ao fato de ele ter advogados de renome que conseguem prolongar seus processos.
     Lançar para as próximas eleições a Operação Lava Voto poderia significar o início de uma verdadeira catarse nacional, levando ao Congresso e à Presidência da República pessoas que não parecem ter se sujado com os jogos perversos da corrupção, cujo dinheiro foi subtraído dos hospitais, das escolas ou da pesquisa científica. É dinheiro de todos e de cada um, e por isso existe o direito sagrado de que cada cidadão que se aproxima de uma urna com seu voto possa se transformar em juiz e sem apelação. Se, apesar de tudo isso, houver pessoas que continuem dando seu voto a um candidato sabendo de sua falta de honradez moral, nesse caso serão elas mesmas que se condenarão ante sua consciência.
     O fato de que existe uma grande perplexidade da sociedade brasileira frente à nomeação, por exemplo, do novo presidente da República é demonstrado pelos dados reveladores da última pesquisa do Datafolha, segundo a qual mais da metade dos eleitores ou não sabem ainda em quem vão votar ou não pensam em votar em ninguém, o que pode ser também um voto de resistência cívica. Nesse grupo estão 55% dos eleitores. Poderia parecer indiferença, mas também perplexidade em relação ao momento que vive o país e medo de poder se enganar votando em quem talvez continue agindo dando as costas para a população. Minha convicção, e tomara não me equivoque, é que desta vez, depois da Lava Jato, os cidadãos pensarão duas vezes antes de votar em um candidato, sinal de que, apesar de tudo, estamos diante de uma sociedade fundamentalmente saudável que quer participar ativamente da construção de seu próprio destino, o que seria impossível reelegendo os corruptos ou os que simplesmente têm cheiro de corrupção.
     Marina Silva tem razão, uma Lava Voto seria a melhor culminação da limpeza política iniciada pela Lava Jato, que, apesar da artilharia lançada contra seus juízes e promotores, orquestrada muitas vezes nas sombras pelos corruptos, continua sendo uma das instituições mais valorizadas e mais aplaudidas por uma sociedade que está aperfeiçoando sua democracia.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Supremo cogita liberar larápios VIPS


Josias de Souza

País tem 290 mil presos sem sentença e Supremo cogita liberar larápios VIPs

O Ministério da Justiça divulgou dados atualizados sobre a população carcerária. Um detalhe chama especial atenção: há no Brasil cerca de 290 mil presos sem julgamento. Isso corresponde a 40% do total de encarcerados: 726 mil pessoas. É contra esse pano de fundo que o Supremo Tribunal Federal analisa a hipótese de abrir as portas das celas para os endinheirados e poderosos condenados duas vezes.
Repetindo: num país em que 290 mil cidadãos pobres mofam atrás das grades sem julgamento, a Suprema Corte cogita rever a regra que prevê a prisão de larápios VIPs condenados um par de vezes, na primeira e na segunda instância.
 
Para a casta superior, o direito de recorrer em liberdade. Se possível, até a prescrição dos crimes. Às favas com a dupla condenação! São inocentes até prova em contrário. Quanto aos miseráveis, são culpados até prova em contrário. Se possível, vão em cana como prova em contrário. Assim, não é que o crime não compensa. É que no Brasil, quando compensa, ele tem outro nome. Chama-se impunidade.

Meu comentário: no Supremo Tribunal Federal existem dois tipos de decisões: em decisões apertadas de seis a cinco, há ministros que soltam políticos corruptos e há os que não soltam. A decisão deveria ser unânime, seja pela absolvição ou pela condenação, mas, infelizmente não é assim. Também pudera! Os ministros do STF são escolhidos por uma maioria de senadores corruptos. É a tal mentira constitucional estabelecida pela Constituição Federal que diz que  os poderes são independentes entre si. Me engana que eu gosto.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Governadores impunes


     Segundo a jornalista Laryssa Borges, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem funcionado como uma redoma para garantir a impunidade de governadores denunciados por corrupção. Se os tribunais encarregados dos processos que envolvem autoridades com a mesma celeridade da Justiça do Paraná, onde tramita uma parte da Lava-Jato, a impunidade sofreria um duro golpe. A realidade, lamentavelmente, é o oposto. (...) Apenas na Lava-Jato dezenove governadores acusados de ser destinatários de dinheiro de caixa dois ou oriundo de pagamentos de propina. Três anos depois do inicio das investigações, não há um único governador réu, e sete casos foram arquivados porque o Ministério Público entendeu que faltavam provas.
 
     Aliás, o STJ, que é o foro adequado para julgar governadores, nunca chegou a julgar nenhum deles. Até recentemente, para que isso acontecesse, havia a interpretação de que era necessária uma autorização das Assembleias Legislativas, normalmente controladas politicamente pelos governadores. Ou seja, a autorização nunca era dada, e nada acontecia. Em maio, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a autorização era inconstitucional – e o STJ estava, assim, liberado para julgar os chefes dos Executivos estaduais sem que as Assembleias Legislativas se manifestassem. (...)
Fonte: revista Veja – edição 2559, de 06.12.2017.
 
Meu comentário: no artigo 2° da Constituição Federal está escrito que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No meu entendimento, é a maior mentira constitucional existente no país. Não são independentes entre si, coisa nenhuma, mas sim, somente muito harmônicos na preservação da impunidade de políticos corruptos que assolam o país como uma sistêmica pandemia.

domingo, 3 de dezembro de 2017

No fim do Arco-Íris*


Segundo a jornalista Bianca Alvarenga, demorou quase três décadas, mas finalmente milhares de lesados pelos planos econômicos do passado terão direito a um ressarcimento pelas perdas da caderneta de poupança

     Uma das disputas jurídicas mais antigas do país, que envolve pelo menos 1 milhão de brasileiros que tinham caderneta de poupança no fim dos anos 80 e no início dos anos 90 e foram afetados pelos planos econômicos da época, está próxima de um desfecho. Bancos públicos e privados e representantes dos poupadores, com a intermediação do governo, chegaram aas termos preliminares de um acordo sobre a correção monetária que deve ser aplicada aos saldos existentes no momento em que foram lançados os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991), que mudaram os índices de remuneração das poupanças. Desde então, mas principalmente nos 1990 e 2000, milhares de pessoas entraram na Justiça pedindo reparação pelas perdas que tiveram com as mudanças na caderneta, por meio de ações tanto individuais como coletivas.
    
     Por décadas, os bancos defenderam-se dizendo que apenas cumpriram as decisões do governo (o que é fato) e tentaram alertar que a obrigatoriedade do pagamento da causa bilionária poderia pôr em risco a saúde das próprias instituições. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acabaram aceitando a argumentação do governo e dos bancos, mas deram um prazo para que fosse selado um acordo com os poupadores. Foi o que ocorreu finalmente na semana passada, depois de anos de negociação. Os índices de correção não foram divulgados, tampouco o calendário de pagamento. ,     Mas, no total, serão desembolsados cerca de 10 bilhões de reais, ou uma média de 10000 reais por correntista. Valores mais baixos serão pagos à vista, e os demais, de forma parcelada. Poupadores com maior idade terão preferência no recebimento. Muitos já faleceram, e outros estão em idade avançada. Estima-se que quatro em cada cinco pessoas tenham entre 65 e 85 anos. O governo sinalizou que os herdeiros de quem já morreu poderão resgatar os recursos.
    
     Há cerca de 1 milhão de ações judiciais que envolvem essa causa, segundo estimativa da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa a União nas negociações. Nem todas, porém, deverão se beneficiar do acordo, que ainda precisa ser assinado entre as partes e homologado pelo STF. O pagamento deve ser estendido a quem houver ingressado com ação individual e tiver os comprovantes exigidos. A AGU diz que ainda será analisado se quem não ingressou com ação na Justiça poderá se valer dos efeitos do acordo. O montante de 10 bilhões de reais, embora expressivo, poderia ter sido ainda maior. Estima-se que os bancos tenham separado em seus balanços até 23 bilhões de reais para reparar eventuais perdas. O pleito inicial das entidades que representam os clientes era uma indenização que ultrapassava 30 bilhões de reais.
 
     A esperada homologação do acordo deve pôr um ponto final na disputa. Nos últimos anos diversos encontros terminaram sem consenso – os bancos estavam resistentes a um acordo e contavam com a morosidade da Justiça para pagar as indenizações de forma gradual. Contudo, se o STF decidisse a favor dos poupadores, haveria uma jurisprudência para a questão, e, nesse caso, os bancos seriam obrigados a pagar a totalidade do valor reclamado de uma só vez. Os maiores interessados em firmar o acordo eram a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Estima-se que mais de 70% do valor reclamado está concentrado em cadernetas existentes nas duas instituições públicas, Com o fim da longa novela, o governo festejou o desfecho: a injeção de alguns bilhões de reais na economia deverá contribuir ainda mais para a retomada do crescimento.
*Fonte: revista Veja – edição 2559 – de 08.12.2017.