Acompanhada de um biólogo, a revista Veja fez uma reportagem especial sobre a tragédia de Mariana. O texto da matéria é de autoria do jornalista Pieter Zalis. Como a reportagem é longa , extraí trechos que, no meu entendimento, são interessantes e importantes.
(...) Na semana passada, VEJA percorreu mais de 700 quilômetros entre Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), onde fica a barragem , e Regência, no município de Linhares (ES), para desenhar a cartografia do desastre, sobretudo ambiental, que atingiu a região. Com o objetivo de registrar, com apuro científico, os danos à natureza, a revista convidou para a expedição o biólogo André Ruschi, mestre em ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Instituto Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi (ES). São dele as análises que aparecem ao longo desta reportagem. Na infância, o biólogo capixaba, de 60 anos, já acompanhava o pai, o naturalista Augusto Ruschi, um dos pioneiros do ambientalismo no Brasil, em seus estudos pela bacia do Rio Doce, dramaticamente atingida pelo acidente.
(...) Os 62 bilhões de litros de rejeitos despejados na região pelo acidente – o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas – levaram pouco mais de duas semanas para percorrer 879 quilômetros até Linhares. Cento e vinte nascentes foram soterradas no caminho, pelo menos doze pessoas morreram (onze ainda estão desaparecidas) outras 600 perderam suas casas e mais de 300 mil tiveram o abastecimento de água prejudicado. Alguns especialistas levantam a hipótese de que a região onde se encontrava o subdistrito de Bento Rodrigues vire um deserto. O resíduo de mineração é tóxico, ou seja, nada mais crescerá por ali. A maior preocupação dos ambientalistas, no entanto, é mesmo com a bacia do Rio Doce, que abastece meio milhão de pessoas e já sofria com o assoreamento antes do desastre. Os rejeitos e a lama vindos da barragem devem agravar o problema, dificultando o acesso de pescadores e a entrada de peixes que se reproduzem naquela área. Como a lama acaba com a transparência da água, impedindo que a luz chegue ao fundo, e obstrui a absorção de oxigênio, ela sufoca os peixes, além de bloquear a fotossíntese das plantas. Depois do rompimento da barragem, sobraram apenas 500 metros de água limpa – distancia entre a nascente e a mineradora. Não se avista pelo caminho a movimentação de peixes nem de anfíbios. Aves comuns à região, como as garças, só são vistas esporadicamente em áreas que deveriam estar servindo de celeiro para ninhos durante a época de procriação. Os crustáceos também desapareceram, e a enorme quantidade de conchas encontradas ao longo do caminho revela que os pequenos moluscos também foram mortos pela tragédia. “Antes, devido à poluição humana, o Rio Doce já precisava ser recuperado. Agora, o dever é ressuscitá-lo”, diz Ruschi.
(...) Apesar de a Samarco afirmar que o rejeito que se espalhou não é tóxico, pois é composto basicamente de sílica (areia) proveniente do beneficiamento de minério de ferro, laudos de prefeituras e órgãos responsáveis pelo tratamento de água em Minas Gerais e no Espírito Santo apontaram níveis elevados de arsênio, chumbo, cromo, bário, manganês e outros metais pesados. Na ultima quarta-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um comunicado desmentindo a empresa. Segundo o órgão, “novas evidências” atestam que o resíduo é tóxico e contém alta concentração de metais e componentes químicos prejudiciais à saúde humana. Por meio de nota encaminhada por sua assessoria de imprensa, a Samarco reiterou: “Laudos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da empresa especializada SGS Geosol atestam que os rejeitos não oferecem riscos a saúde humana e ao meio ambiente. Análises dos sedimentos do Rio Doce e do rejeito proveniente da barragem de Fundão, operada pela Samarco, mostram que em nenhum dos materiais há aumento da presença de metais que poderiam contaminar a água”. As informações desencontradas e a desconfiança levaram um grupo de ambientalista a iniciar um movimento na internet para custear a produçao de relatório de impacto ambiental independente.
Depois do acidente, ficou claro que a Samarco, uma joint venture da brasileira Vale com a anglo-australiana BHP Billiton, estava informada dos riscos de ruptura da barragem de Fundão. Na sexta-feira, 27, o governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo anunciaram uma ação judicial de 20 bilhões de reais contra o trio de empresas.
Tragédia anunciada
Em 2013, a Samarco foi avisada de problemas pelo Instituto Prístino, uma organização sem fins lucrativos que realizou estudos no local a mando do Ministério Público Estadual. Alguns anos, em 2009, a empresa Rescue Training International (RTI) já tinha sido contratada pela própria Samarco para prestar consultoria na área de emergência. Na ocasião, foi sugerido realizar as medições com apoio de telemetria. Essa tecnologia permite monitorar ininterruptamente qualquer movimentação dentro da barragem, como índice de chuvas, quantidade de rejeitos químicos ou deslizamento de terra. O plano ficou engavetado porque era caro. Muito provavelmente, houve negligência combinada com as precárias regulamentações brasileiras no setor de mineração. Mesmo em países em grau similar de desenvolvimento, como Chile e Rússia, já não permitem barragens como as existentes na região de Mariana. Tecnologias mais modernas possibilitam, por exemplo, o espessamento dos rejeitos ao eliminar até 90% da água contida na lama, dispensando a necessidade de enormes barragens. “As técnicas brasileiras são antiquadas”, diz Roberto Galery, professor do Departamento de Engenharia de Minas da Escola de Engenharia da UFMG. “Temos um país extrativista com baixíssimo investimento em tecnologia”, acrescenta.
Dados do Ministério de Minas e Energia mostram que, no ano passado, pouco mais de 30% das 735 barragens existentes em Minas Gerais foram inspecionadas. Na última década, o estado sofreu cinco rompimentos de barragens. A frouxa fiscalização da atividade de mineração parece ser um reflexo perverso da dependência. Nada menos do que 60% das exportações do Brasil são commodities. O setor mineral sozinho representa 21% do total das exportações. No município de Mariana, 80% da arrecadação é proveniente da atividade mineradora, o que levou o prefeito Duarte Júnior (PPS) a declarar que, sem ela, a cidade “fecha as portas”.
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