quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A farra dos marajás*


Mais de 5000 servidores federais recebem além do limite legal. A diferença daria para pagar por um mês 400.000 a aposentados que ganham salário mínimo
 
Pieter Zalis
 
Desde a década de 80, quando um político alagoano se lançou no cenário nacional com a fantasia de “caçador de marajás”, o Brasil tenta acabar com a praga dos supersalários de uma minoria de servidores públicos. Até hoje, não deu certo. Na semana passada, o Senado deu um passo importante nessa direção ao aprovar um pacote de três projetos que passa a incluir no teto constitucional (33763 reais mensais) a maioria dos penduricalhos que atualmente escapam da lei e inflam os ganhos dessa elite de servidores em dezenas de milhares de reais.
 
Um levantamento de VEJA entre todos os funcionários públicos da ativa do Judiciário, do Executivo e do Legislativo federais mostra o tamanho do problema. A pesquisa identificou os 5203 servidores que ganharam acima do teto em setembro. Somado o valor que eles receberam além do teto, o prejuízo aos cofres públicos chega a 30 milhões de reais um único mês. A diferença de 360 milhões de reais por ano daria para pagar por um mês 400000 aposentados que ganham o salário mínimo. Repetindo: 400000.
 
A maior parte dos salários acima do teto está no Judiciário, que responde por 21 milhões dos 30 milhões de reais mensais de excesso. O restante vem do Executivo (5 milhões) e do Legislativo (4 milhões). Nos casos mais gritantes, um único servidor chegou a receber mais 100000 reais em um mês – os cinco maiores ganhos de setembro do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público estão registrados ao longo desta reportagem. Para evitar uma fotografia distorcida, flagrada em um momento especial em que foram pagos ao servidor atrasados ou coisa semelhante, VEJA também verificou quanto os servidores ganharam nos dois meses anteriores a setembro – e só incluiu na lista dos maiores salários aqueles que, nos três meses, furaram o teto. A lista de VEJA, apesar dos casos escabrosos, ainda não é um retrato completo: não abrange aposentados, nem pensionistas, nem os marajás dos três poderes nos níveis estadual e municipal.
 
O drible no teto constitucional ocorre, na maior parte das vezes, não por causa do salário propriamente dito, mas em razão de uma miríade de benefícios como ajuda de custo, adicionais por tempo de serviço, trabalho em local distante, exercício de funções de chefia, auxílio nos estudos, e por aí vai. São as chamadas “vantagens eventuais”, “outras verbas remuneratórias”, “indenizações”. A nebulosa de rubricas ajuda os servidores a burlar o teto. .”A Constituição é clara: todas essas vantagens adicionais devem contar para o teto, e apenas as indenizações, verbas que evitariam prejuízos ao servidor, como o combustível gasto numa viagem a trabalho, deveriam ser aceitas. O problema é que, como não havia uma regulamentação clara sobre o assunto, muitos benefícios ou vantagens acabam contabilizados como verbas indenizatórias”, afirma o constitucionalista Thomaz Pereira , professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro.
 
Para realizar o levantamento, VEJA somou aos salários dos servidores todos os benefícios recebidos e subtraiu gratificações natalinas, adicionais de férias e o abate do teto constitucional. (...)
As propostas aprovadas no Senado na semana passada deixam claro que o teto inclui jetons em conselhos de empresas públicas, horas extras, adicionais de plantão noturno, abonos, prêmios, verbas de representação, recursos para missão fora de estado e auxílio-moradia (só no Judiciário, os gastos com auxílio-moradia saltaram de 210 milhões de reais, em 2014, para 840 milhões de reais, em 2015, depois que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça estendeu a benesse a mais 16000 juízes). Para valerem, os projetos agora precisam ser aprovados pela Câmara e sancionados pelo presidente Michel Temer.Afirma a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), relatora do pacote: “Essa lei e o seu cumprimento são imprescindíveis para o país. A população não se conforma com os supersalários”. E cassar privilégios, aprendeu o Brasil, é mais salutar que caçar marajás.
 
*Fonte: revista Veja edição 2509, de 21.12.2016.
 
Meu comentário: afinal de contas, que moral o Ministério Público (promotores e procuradores), Judiciário (juízes, desembargadores e ministros) têm para denunciar e julgar os outros, respectivamente, se não cumprem e desobedecem a Constituição Federal?

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