(...) A Ordem Terceira de São Francisco, contando com 385 membros ativos, tinha a sua organização perfeita e modelar, considerada como paradigma das demais co-irmãs. Encarando com fervor e dedicação à causa geral do bem-estar da população e vendo-a sofrer, alarmada com o surto epidêmico que a dizimava quase totalmente, a Ordem Terceira lançou mão de todos os recursos para debelar o mal, que era tido como um castigo do céu.
A sua igreja transformou-se em hospital e as mais respeitáveis e opulentas famílias da Vila foram atingidas pela peste, que rondou e arrebatou os entes mais queridos do seu convívio, de um modo sinistro e pavoroso, revelam as crônicas da época.
A vida paralisou, ante o pavor que emudeceu todas as bocas, para ceder lugar às lágrimas, às dores, ao gemido, ao luto. A morte visitou todos os lares, forçando aos estabelecimentos de ensino a cerrar suas portas e mudanças rápidas se verificaram, como a do Seminário Menor, que perdeu três alunos, transferindo-se imediatamente para o Colégio do Caraça.
Contemplando o descalabro e a desolação que imperava impotente, a Ordem Terceira reuniu-se extraordinariamente para ouvir a palavra do Irmão Ministro Thomaz Florêncio Teixeira.
Em dia e hora previamente marcados, com a presença de 185 terciários, foi aberta a sessão, para debater o magno problema da defesa do povo, em face da calamidade pública. Depois de muitas discussões em torno de projetos, propostas e sugestões, carinhosamente estudadas, o Irmão Ministro, respeitado e acatado pelo saber e virtudes que lhe acrisolavam o caráter, símbolo da bondade e desprendimento pessoal, expressão exemplar de um franciscano de ação, ponderou, com pleno conhecimento de causa, aos que o ouviam silenciosamente.
_ “Impressionado e abatido, recolhi-me, ontem, ao leito, pedindo a Deus misericórdia das nossas culpas e rogando-lhe compaixão para esta nossa população enferma, faminta e desgraçada pela miséria, apesar do ouro que é retirado de suas minas e ribeirões, na ânsia do enriquecimento fácil. Dormi e sonhei com o Santo Advogado contra a Peste, Fome e Guerra. Vi São Roque com o hábito franciscano, rosário e cordão e demais símbolos de peregrino. Ele percorria as ruas abençoando e curando os empestados. Creio, concluiu, que devemos, antes de tudo, trocar (comprar) uma imagem do santo milagroso, que falta no altar de nossa igreja franciscana. O nicho está vazio, aguardando o venerando titular”. Dentre os Irmãos estava o Dr. Paulo de Souza Magalhães, notável clínico, que declarou ter a mesma visão do Irmão Ministro.
Em vista de tão providencial sugestão, comprometia-se com os seus companheiros Thomaz Gonçalves dos Santos e Braz Moreira de São Paio, adquirir na França a imagem de São Roque e doá-la à igreja da Ordem Terceira de São Francisco.
A preciosa encomenda foi feita, sendo despachada de Paris, por via marítima, até o Rio de Janeiro e, daí para Mariana, trazida em cargueiro de burro, cuidadosamente encaixotada.
No dia 29 de fevereiro de 1770, pela manhã, os Irmãos Franciscanos a receberam, depois da espera de noventa dias, do Rio a Mariana. Na tarde desse mesmo dia foi a imagem benta e colocada no altar lateral, onde se encontra até hoje, iniciando-se a novena de penitência para aplacar o flagelo da peste que, dia a dia, desfalcava o número dos habitantes da florescente Vila de Nossa Senhora do Carmo.
No dia 9 de março do mesmo ano, saiu pela primeira vez à rua a suave, linda, majestosa e re
speitável imagem de São Roque que, desde as 8 às 22 horas, percorreu toda a Vila, de ponta a ponta, notando em todo o percurso a preocupação do povo em demonstrar o seu fervor com preces e variadas penitências ao milagroso santo.
Estava instituída oficialmente em Mariana a tradicional Festa de São Roque
Em pouco tempo o flagelo cedeu e o amor, devoção e fervor a São Roque multiplicaram-se, trazendo a paz e a alegria em todos os lares. Faz, portanto, 243 anos que se invoca e venera nesta cidade o glorioso Patrono da Paz, Saúde e Prosperidade da nossa católica população, que já o consagrou oficialmente como o maior e o mais querido Santo da Cidade.
*Excerto extraído do livro “Lendas Marianenses”, de autoria do jornalista escritor, historiador Waldemar de Moura Santos, fundador da Casa de Cultura de Mariana – Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes.