sábado, 28 de janeiro de 2017

Como manter o legado *


Ninguém sabe ao certo a forma de escolha do sucessor de Teori Zavascki na relatoria da Lava-Jato, mas uma convicção precisa continuar inabalável: a operação não pode parar nem falhar

Thiago Bronzatto e Laryssa Borges

     Suspeito de receber propina do esquema de corrupção na Petrobras, o senador Romero Jucá (PMDB) produziu involuntariamente, um epitáfio lapidar para o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. Numa conversa que não sabia que estava sendo gravada, rechaçou a possibilidade de Teori aderir a um acordão que era negociado nos bastidores para tentar melar a Operação Lava-Jato. Teori era o problema. Segundo Jucá, não havia político no país com abertura ou coragem para abordar o ministro com uma proposta daquele tipo: “Não tem. Ele é muito fechado”. O senador falava com conhecimento de causa. E não era a primeira iniciativa nessa direção. Quando o PT e PMDB ainda eram parceiros no governo, combinaram um plano para enterrar o petrolão. A ideia era reunir os chefes dos três poderes na ofensiva. Além de impunidade na seara criminal, buscavam-se o arquivamento dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff e a preservação do mandato de Eduardo Cunha. Todos sairiam ganhando. Para azeitar essa operação, Dilma se reuniu em Portugal, à sorrelfa, com o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Os dois convidaram Teori para o convescote. Ele, sabiamente, recusou. Assim, com a discrição que lhe era peculiar, salvou a Lava-Jato de um dos cercos mais ousados já tramados contra ela.
 
     Em quase três anos como relator da Lava-Jato no STF, Teori assinou mais de 1000 despachos relacionados a 364 investigados. Autorizou 162 buscas e apreensões e 168 quebras de sigilo bancário. Homologou 41 acordos de delação premiada. Essas colaborações, de executivos de construtoras como Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, trazem denúncias contra os políticos mais poderosos do país. No gabinete do ministro, também estava o pacote de delação premiada de 77 executivos da Odebrecht. A previsão inicial era de que seria homologado por Teori em fevereiro. Com sua morte, o processo enfrentará uma paralisia temporária, até que seja escolhido um novo relator – e que tenha tempo de tomar pé do volume colossal de informações. Acusadores e defensores estão apreensivos quanto ao novo relator. Em harmonia, dizem que Teori era um caso raro no STF de atuação apartidária e discreta. Um ponto de equilíbrio num processo complexo e recheado de manifestações exacerbadas dentro e fora dos autos. Suas credenciais eram frequentemente exaltadas pelos colegas da corte.
 
     O desfecho da Lava-Jato, para o bem ou para o mal, depende essencialmente do trabalho do relator do caso. Se o Teori tivesse aceitado o convite para participar do convescote em Portugal, a história da corrupção no Brasil poderia estar sendo contada de outra maneira. Por isso, o perfil do futuro relator é capital para que o dique de impunidade dos políticos poderosos seja finalmente rompido. (...) A tendência é que a presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia, sorteie a relatoria – mas essa é apenas uma das formas possíveis de escolha do relator. O regimento prevê que o presidente do STF pode invocar o “caráter excepcional” da situação e encaminhar as ações a qualquer integrante do tribunal. Cármen Lúcia pode realizar o sorteio apenas entre os integrantes da Segunda Turma, que cuida dos casos da Lava-Jato. São eles: Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Três deles estão em situação vulnerável: Gilmar Mendes, que já criticou publicamente o trabalho do Ministério Público; Dias Toffoli, cujo nome é mencionado numa das propostas de delações; e o próprio Lewandowski, suspeito de armar a operação abafa em terras portuguesas.
 
     Apesar de improvável, há a possibilidade de a presidente do STF não redistribuir o processo, deixando a relatoria para o ministro que será indicado pelo presidente Michel Temer para a vaga de Teori. Mas as complicações não são poucas: Temer indicaria o juiz que julgará um caso em que ele próprio é citado – e o juiz ainda será sabatinado no Senado, onde há uma plêiade de suspeitos. O atraso que a morte de Teori vai provocar na Lava-Jato é inevitável, mas está longe de ser o maior problema. O fundamental é que as decisões corretas continuem sendo tomadas.
 
*Fonte: revista VEJA - Edição 2514, de 25.01.2017.

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