sábado, 15 de dezembro de 2018

Homenagem a Roque Camêllo


   Convite

   A Casa de Cultura – Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes e o Movimento Renovador de Mariana convidam os amigos e intelectuais da Casa de Cultura para participarem da homenagem ao saudoso e inesquecível ex-presidente Professor Roque José de Oliveira Camêllo.
 
Dia: 15 de dezembro de 2018 = Sábado
 
Horário: 20 horas - Local: Casa de Cultura de Mariana de Mariana-Academia Marianense de Letras< Ciências e Artes - Rua Frei Durão, 84.


Roque Camêllo: Tempo e Impacto de uma Trajetória  Pública
 
Por Patrícia Ferreira dos Santos Silveira
Caras senhoras senhores, autoridades eclesiásticas, civis.

Dignos acadêmicos, estudiosos, e comunidade marianense.

Incumbida que fui de refletir convosco, nesta noite cheia de lembrança e saudade, sobre a trajetória pública do professor e advogado Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, ponderei muito.
Com meu olhar de historiadora, mas também de educadora, me indaguei e indaguei pessoas, amigos e contemporâneos sobre o Roque Camêllo que conheceram. Pesquisei a história política recente de Mariana e do nosso país. Analisando o devir histórico dos anos do regime militar vividos pelo Brasil, me detive um instante nesta fase nascente do talento político do jovem Roque. Talento que se desvelou muito cedo, em sua carreira pública local. Projetou-se, primeiro como vereador no início da década de 1960. Desde então, não cessou mais de trabalhar diligentemente pelos interesses coletivos de Mariana.

Tendo a família como respeitável referência e o apoio de amplos setores, dentre os mais esclarecidos da sociedade, parecia predestinado a representar os interesses coletivos na esfera pública. Logrou inserir-se nos círculos mais seletos da política e da cultura erudita. Pelo grau de permeabilidade alcançada em seus contatos, aquilatamos a força da sua trajetória, e o impacto de sua ação em Mariana, em Minas Gerais.

Não somos nós que atribuiremos sentido à figura pública e à ação política do doutor Roque José de Oliveira Camêllo. Estamos conscientes. As palavras não dão conta, com a precisão merecida, de aquilatar sua dimensão na nossa história política recente. E a proporção alcançada por suas ações, sempre visando progressos e benefícios para a educação e a coletividade, ultrapassou as montanhas de Mariana, de Minas Gerais e as fronteiras do nosso país.

Ficaremos satisfeitos se conseguirmos demonstrar o quanto precisamos de lideranças políticas do seu quilate. Pois o tempo é o grande arquiteto da história – mas isto se dá em perspectiva dialética com a ação social, individual e coletiva. Não foram poucas as pessoas que, indagadas sobre o ilustre professor, traziam brilho nos olhos ao defini-lo. E o fizeram para nós, por telefone, mídias sociais, e pessoalmente, deixando aflorar histórias, impressões e expressões verídicas de sua admiração. Computamos tudo; mas é impossível citá-las todas. Ele foi um baluarte da cultura – dirão muitos de nós. Digno representante dos acadêmicos, dos estudantes, professores, dos advogados. Amante dos livros e da cultura, defensor dos valores e tradições mineiros.

Prof. Roque Camêllo era, portanto, um prócer – e quem o diz? A memória coletiva, que captamos em relatos, depoimentos, e muitas conversas, com amigos, familiares e a querida Merania Oliveira.

Retomamos nosso exercício de análise a mergulhar o ator social em seu tempo – e nos desafios da uma geração. As décadas de 1970 a 1990 podem ser consideradas o intervalo médio de sua trajetória, circunscrita entre 1942 (nascimento – 16-08-1942) e o trágico 18 de março de 2017.

À medida que seu fino talento político e tino administrativo despontavam, sua formação acadêmica se consolidava, concluindo, na Federal de Minas Gerais, os estudos em direito, depois em letras. Seu espírito cosmopolita se manifestava, passando por prestigiadas universidades americanas e europeias (como Harvard e France Langue de Paris, no início dos anos 1990).

Quando assumiu mandato, na cena pública em nossa cidade, contava 18 anos, sendo um dos seus mais jovens vereadores. Teve importante papel na vinda para Mariana do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além da instalação da Cemig e da construção da estrada de contorno, que salvou o patrimônio cultural.

O tempora! O mores!

Exclamava Cícero, inconformado com a depravação dos costumes dos tempos em que viveu. Esta frase serve de mote ao cenário que encontramos em Mariana nos idos de 1982, quando a liberdade democrática ainda era sonho. Neste contexto, o jovem professor concorreu às eleições municipais. Pairava ainda uma nebulosa sobre o processo de abertura democrática do país. Naquelas eleições o peso de tradições conservadoras prevaleceu sobre o seu progressismo.

Mas o seu espírito cultivado não permitiu que esmorecesse o desejo de fazer mais pela cidade de Mariana. Retorna à cena política como vice-prefeito entre 2004 e 2008. Candidatou-se a prefeito, venceu as eleições e assumiu a prefeitura em 2009, estabelecendo como principal plataforma a recuperação cultural.

Ao longo destes anos, a Casa de Cultura – Academia Marianense de Letras, nunca se desvinculou da missão que recebeu do doutor Roque: ser um bastião de defesa da cultura e dos monumentos históricos da antiga cidade dos bispos.

(...)

À época da nossa posse como acadêmica, destacamos o peso da tradição a condicionar vidas e trajetórias. E a importância do progresso intelectual para equilibrá-las e promover a dinâmica histórica. Não sabíamos que três anos depois aqui estaríamos na difícil missão de realizar um balanço da trajetória do brilhante professor que solenemente nos empossava na Academia Marianense de Letras – entidade que há 56 anos zela pela cultura e pelas tradições de Mariana, de Minas Gerais e do Brasil.

Foi produto das reuniões desta tradicional agremiação um dos mais importantes projetos da carreira pública do doutor Roque Camêllo: a proposta apresentada em 1977, da criação do Dia do Estado de Minas Gerais, comemorado em todo o território mineiro em 16 de julho. Durante a sessão alusiva ao 281º aniversário da cidade, o professor Roque Camêllo, integrante da Casa de Cultura – Academia Marianense de Letras, lançou a ideia de instituir o 16 de julho, aniversário da cidade, como data cívica estadual. O projeto recebeu o apoio do então presidente da Casa, professor e jornalista Waldemar de Moura Santos, acadêmicos, autoridades municipais e comunidade. Na sequência, a proposta foi entregue ao governo estadual e à Assembleia Legislativa.

A criação do Dia de Minas foi oficializada em 19 de outubro de 1979, com a sanção da lei pelo então governador Francelino Pereira. Era ele um diplomático nordestino, mas com formação e perfil de liderança estudantil no Estado de Minas Gerais – região prolífica, naquele contexto em fornecer políticos de prol, com perfil de estadistas, todos em ascensão: Aureliano Chaves, Tancredo Neves, seus amigos pessoais; Milton Campos e Pedro Aleixo também admirados pelo então governador. Em 1997, houve a emenda de número 22 à Constituição Mineira, determinando a transferência da capital para o município.

É curioso observar o devir histórico e relembrar que em 2015 a voz do doutor Roque Camêllo, assumiu alcance e autoridade para repreender a postura do Governo do Estado que visava cancelar a comemoração do simbólico dia de Minas Gerais em Mariana. Justamente naquele trágico ano de 2015, na qual a cidade foi palco de uma de suas maiores tragédias históricas e ambientais. Mariana, naquela altura, de tal forma comoveu o mundo que coloriu a Torre Eiffel em Paris com as cores verde e amarela da nossa bandeira nacional, em uma manifestação de vibrante solidariedade com Minas Gerais e o Brasil.

Ora, não é difícil compreender a sensibilidade do prof. Roque, como autor do projeto, conhecedor da sua importância para a projeção de Mariana, e vendo a catástrofe se abater com graves consequências sociais e econômicas no Município e no Estado. Além da sensibilidade do seu espírito cultivado e esclarecido, professor Roque Camêllo passou sua infância no Piteiro, povoado pertencente ao subdistrito de Bento Rodrigues, de Mariana. Deste modo, de maneira frontal opôs-se ao cancelamento do Dia de Minas Gerais, no momento em que a cidade mais necessitava de amparo para se reerguer da tragédia advinda com o rompimento da barragem de Fundão.

Caros amigos. Apressa-nos o tempo, o grande artífice da memória, que hoje cultuamos. As marcas deixadas pelo nobre professor sobrevivem ao tempo. E são muitas. São marcas indeléveis. Avolumam-se na memória coletiva tantas histórias, relatos de estudantes que escolheram Roque Camêllo como paraninfo em suas formaturas; outros tantos autores que tiveram, como eu, o privilégio da sua leitura e da sua crítica. Muitos artistas, entidades e agremiações encontraram amparo em seu humanismo: o Movimento Renovador de Mariana, corporações musicais, congados!

Roque Camêllo não foi apenas membro de instituições de apoio à cultura – foi atuante e em muitas vezes atuou como um mecenas. Vejamos, por exemplo, sua gestão como diretor-executivo da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana (FUNDARQ), pela qual foi responsável pela segunda reforma do órgão Arp Schnitger da Catedral de Mariana; me lembro, particularmente, de tê-la percorrido a seu lado, ocasião na qual expôs a grande necessidade de reforma arquitetônica da Sé Catedral. O mesmo zelo e preocupação pautaram sua conduta em favor do restauro do santuário Nossa Senhora do Carmo, consumido, em grande parte, pelo incêndio em 1999, e do antigo palácio dos bispos. Pela FUNDARQ, conduzia, com uma equipe de arqueologia e arquitetura, a reconstrução e revitalização dos jardins históricos do antigo palácio dos bispos, visitados pelos viajantes naturalistas franceses que vieram ao Brasil no século XIX em suas pesquisas botânicas.

Professor Roque cultivou em toda a sua vida, como estes cientistas, o amor pela ciência e pela cultura erudita. Era membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG). Tornou-se uma das maiores referências da história de Mariana e suas influências para a formação do Estado e do País.

Presidiu, com grande habilidade, a Comissão de Defesa do Patrimônio Histórico da OAB de Mariana. Encaminhou para a UNESCO o projeto de certificação e inscrição do acervo do Museu da Música de Mariana no programa “Registro Memoria del Mundo”, deferido em 2011.

Em 11 de abril de 2016, seu amor por Minas rendeu outro fruto primoroso. Foi quando lançou a cuidadosa edição do livro “Mariana: assim nasceram as Minas Gerais – uma visão panorâmica da história”, na Casa de Cultura – Academia Marianense de Letras (Rua frei Durão 84 – Centro) e em Belo Horizonte, na Academia Mineira de Letras (rua da Bahia,  1.466 – centro).

 Ciente da diversidade da expressão cultural do Estado, que tanto amou, fez questão de trazer, juntamente com o livro que vinha a lume, reconhecidos expoentes da cultura popular marianense à ocasião do memorável lançamento: os centenários Zé Pereira da Chácara, o Congado Nossa Senhora da Conceição e bandas de música, além da apresentação do coral Tom Maior. Como erudito que era, sabia ouvir as múltiplas vozes de Minas.

Assim, com a pena de escritor, o tino político-administrativo, o refinado senso humanista e o olhar no futuro, presidiu por 31 anos a Casa de Cultura – Academia Marianense de Letras. Nesta casa, acolheu muitos artistas, intelectuais, professores, escolas, políticos, movimentos sociais e entidades de grande expressão. Recepcionou expoentes de outras entidades promotoras da cultura, promovendo o encontro, o diálogo e a solidariedade entre as entidades com vocações de preservação. Professor Roque Camêllo foi, ainda, atuante Conselheiro da Associação Universitária Internacional (AUI), sediada em São Paulo, na qual foi diretor regional para Minas Gerais. Desta forma, beneficiou muitos estudantes com oportunidades de aprimoramento em universidades norte-americanas.

De sorte que, seguramente, podemos considerar, ao final desta reflexão, que sua trajetória não cabe no curto espaço-tempo de sua existência, breve e intensamente circunscrita entre 1943 e 2017. Porque nos deixou, dentre realizações concretas, ensinamentos, e exemplos, uma valiosa herança. Sua memória lavra um lustroso modelo a ser seguido: de resistência a valores antidemocráticos, de resistência ao obscurantismo pela força da Educação e dos princípios humanistas. Foi também seu lema sapere aude. Como poucos medalhões da política da sua geração, ele ousou saber e aplicar o seu entendimento às circunstâncias. Ele ousou fazer uso da razão em prol dos mais fracos, em prol da memória e da preservação da história, em favor do coletivo.
Professor Roque marcou indelevelmente a história de Minas Gerais, com ações que impactaram sucessivas gerações: a dele, a nossa, e as vindouras. Que o seu exemplo e modelo persevere, floresça entre nós. E a História o imortaliza, pela força da sua trajetória em nosso passado recente. Professor Roque José de Oliveira Camêllo – presente!

*Discurso pronunciado pela acadêmica efetiva da Academia Marianense de Letras, Patrícia Ferreira dos Santos Silveira, durante a  reunião solene e  cerimônia de afixação da placa no hall de entrada da Casa de Cultura de Mariana em homenagem ao saudoso Professor Roque José de Oliveira Camêllo, em histórica solenidade presidida pela atual presidente da Casa de Cultura de Mariana, Professora Hebe Maria Rola Santos.

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