(...) Conta-se que, às três horas da tarde, com céu azul, soalheira suave dourando o casario branco lá embaixo, o sino tristonho da Arquiconfraria tocava a meditação das cinco Chagas de São Francisco.
Quantas chagas foram abertas no coração da velha cidade? Quantas chagas!
- Cale a boca, gaveteiro!
Assim, em pleno dia, uma voz misteriosa pronunciava palavras, a princípio, desconexas. As pessoas que ouviam a sinistra voz não entendiam o que estava acontecendo.
- Mas que coisa esquisita e misteriosa. Não vemos ninguém por aqui. Será possível ou concebível fantasmas às 15 horas?
- Valha-nos São Francisco de Assis pelas suas cinco chagas ou mais chagas!
E a voz misteriosa se fez ouvir novamente:
- Conhece você a origem dos “gaveteiros”?
- Pois então ouça:
Mariana, Sabará e Ouro Preto, vilas do Ouro de Minas Gerais disputavam ardorosamente a primazia de Cidade.
Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho, em nome do Monarca Dom João V, para serenar os ânimos exaltados, prestes a estourar em guerra civil, propôs, inteligentemente, que cada vila, em prazo de seis meses, que oferecesse maior quantidade de ouro às arcas do Reino de Portugal, receberia as graças de cidadania e também as honras do episcopado.
A original proposta foi aceita imediatamente.
Durante seis meses os mentores das Vilas disputantes se mobilizaram na faina de ajustar maior quantidade do precioso metal.
O tempo corria célere e a campanha se movimentava disputadíssima. Os dirigentes do movimento em Ouro Preto e Sabará usaram de todos os meios de propaganda. Arautos, regiamente remunerados, trombeteavam por todos os recantos os resultados obtidos para impressionar a opinião pública, enquanto Mariana conservava-se em profundo silêncio. Discreta e vigilante.
Esgotado o prazo estipulado, em dia e hora, previamente marcados em reunião ansiosamente aguardada, com a presença do alto mundo oficial, as três Vilas, por seus Delegados credenciados, se apresentaram na Casa de Fundição, em Ouro Preto, para a entrega oficial do ouro recolhido. Foi uma reunião popular, onde predominou intensa expectativa em torno de algo extraordinário, a explodir.
Apurou-se primeiro a contribuição de Ouro Preto, que rendeu oito arrobas de ouro. Em segundo lugar, verificou-se o recolhimento de Sabará, que atingiu cinco arrobas. E em terceiro, apresentou-se Mariana sob intensa expectativa, que aguardava com nervosismo o final da contenda.
Um frenesi de comoção punha em suspense a curiosidade pública.
Conferido o saldo, a contribuição da primeira Vila somou a importância de doze arrobas de ouro em pó, que a malicia dos marianenses soube apresentar, depois de longo silêncio, deixando o desfecho para a derradeira hora.
A decepção foi geral e as duas concorrentes não podendo controlar o desapontamento em torno do fracasso ruidoso e humilhante, sem outro recurso de defesa, recorreram ao sarcasmo, bradando com todas as forças dos pulmões:
- Gaveteiros, matreiros, maliciosos, sabichões, guardavam a língua dentro da gaveta e ajuntaram, sem ninguém saber, ouro a granel.
Derrota humilhante, sem precedentes na história.
O Governador imediatamente assinou o Decreto constituindo Mariana como primeira Cidade de Minas e, ao mesmo tempo, dando-lhe o “Áureo Trono Episcopal” para sede do primeiro Bispado de Minas Gerais.
Daí a origem de um epíteto, deturpado manhosamente, conferido a um povo que criou há mais de 250 a legenda até hoje repetida por todos os povos do universo: “o silêncio é de ouro”.
Esta é a única e verdadeira origem do “Gaveteiro”, que os dicionários deveriam anotar para corrigir tantas aberrações inverossímeis, hipotéticas, fantasiosas, criadas pela imaginação dos eternos palhaços para desmerecer a integridade de um povo que conquistou a glória com muita inteligência, sabedoria e grande dose de malicia. Não houve jamais gavetões nas casas e igrejas para esconder comidas aos visitantes que chegavam. Não era esta finalidade das gavetas das grandes mesas coloniais!
Tudo mais que se conta são pilhérias da gíria, até anotado por um dicionarista menos esclarecido, quando cada um fantasia, a seu modo e espírito, hábitos e costumes característicos de regiões, onde se formam mananciais fecundos da imaginação popular.
E é desse episodio que nasceu, em Mariana, o lema dos mineiros: “Minas trabalha em silêncio” (...).
(Excerto extraído do Livro “Lendas Marianenses”, de autoria de Waldemar de Moura Santos).
Quantas chagas foram abertas no coração da velha cidade? Quantas chagas!
- Cale a boca, gaveteiro!
Assim, em pleno dia, uma voz misteriosa pronunciava palavras, a princípio, desconexas. As pessoas que ouviam a sinistra voz não entendiam o que estava acontecendo.
- Mas que coisa esquisita e misteriosa. Não vemos ninguém por aqui. Será possível ou concebível fantasmas às 15 horas?
- Valha-nos São Francisco de Assis pelas suas cinco chagas ou mais chagas!
E a voz misteriosa se fez ouvir novamente:
- Conhece você a origem dos “gaveteiros”?
- Pois então ouça:
Mariana, Sabará e Ouro Preto, vilas do Ouro de Minas Gerais disputavam ardorosamente a primazia de Cidade.
Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho, em nome do Monarca Dom João V, para serenar os ânimos exaltados, prestes a estourar em guerra civil, propôs, inteligentemente, que cada vila, em prazo de seis meses, que oferecesse maior quantidade de ouro às arcas do Reino de Portugal, receberia as graças de cidadania e também as honras do episcopado.
A original proposta foi aceita imediatamente.
Durante seis meses os mentores das Vilas disputantes se mobilizaram na faina de ajustar maior quantidade do precioso metal.
O tempo corria célere e a campanha se movimentava disputadíssima. Os dirigentes do movimento em Ouro Preto e Sabará usaram de todos os meios de propaganda. Arautos, regiamente remunerados, trombeteavam por todos os recantos os resultados obtidos para impressionar a opinião pública, enquanto Mariana conservava-se em profundo silêncio. Discreta e vigilante.
Esgotado o prazo estipulado, em dia e hora, previamente marcados em reunião ansiosamente aguardada, com a presença do alto mundo oficial, as três Vilas, por seus Delegados credenciados, se apresentaram na Casa de Fundição, em Ouro Preto, para a entrega oficial do ouro recolhido. Foi uma reunião popular, onde predominou intensa expectativa em torno de algo extraordinário, a explodir.
Apurou-se primeiro a contribuição de Ouro Preto, que rendeu oito arrobas de ouro. Em segundo lugar, verificou-se o recolhimento de Sabará, que atingiu cinco arrobas. E em terceiro, apresentou-se Mariana sob intensa expectativa, que aguardava com nervosismo o final da contenda.
Um frenesi de comoção punha em suspense a curiosidade pública.
Conferido o saldo, a contribuição da primeira Vila somou a importância de doze arrobas de ouro em pó, que a malicia dos marianenses soube apresentar, depois de longo silêncio, deixando o desfecho para a derradeira hora.
A decepção foi geral e as duas concorrentes não podendo controlar o desapontamento em torno do fracasso ruidoso e humilhante, sem outro recurso de defesa, recorreram ao sarcasmo, bradando com todas as forças dos pulmões:
- Gaveteiros, matreiros, maliciosos, sabichões, guardavam a língua dentro da gaveta e ajuntaram, sem ninguém saber, ouro a granel.
Derrota humilhante, sem precedentes na história.
O Governador imediatamente assinou o Decreto constituindo Mariana como primeira Cidade de Minas e, ao mesmo tempo, dando-lhe o “Áureo Trono Episcopal” para sede do primeiro Bispado de Minas Gerais.
Daí a origem de um epíteto, deturpado manhosamente, conferido a um povo que criou há mais de 250 a legenda até hoje repetida por todos os povos do universo: “o silêncio é de ouro”.
Esta é a única e verdadeira origem do “Gaveteiro”, que os dicionários deveriam anotar para corrigir tantas aberrações inverossímeis, hipotéticas, fantasiosas, criadas pela imaginação dos eternos palhaços para desmerecer a integridade de um povo que conquistou a glória com muita inteligência, sabedoria e grande dose de malicia. Não houve jamais gavetões nas casas e igrejas para esconder comidas aos visitantes que chegavam. Não era esta finalidade das gavetas das grandes mesas coloniais!
Tudo mais que se conta são pilhérias da gíria, até anotado por um dicionarista menos esclarecido, quando cada um fantasia, a seu modo e espírito, hábitos e costumes característicos de regiões, onde se formam mananciais fecundos da imaginação popular.
E é desse episodio que nasceu, em Mariana, o lema dos mineiros: “Minas trabalha em silêncio” (...).
(Excerto extraído do Livro “Lendas Marianenses”, de autoria de Waldemar de Moura Santos).
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