quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ao restabelecer prisões TRF-2 dá aula ao STF

   
Josias de Souza é jornalista e colunista da Folha de São Paulo

Em decisão unânime —5 votos a 0 —, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região restabeleceu a ordem de prisão contra três caciques do PMDB do Rio de Janeiro: Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi. Com essa decisão, os desembargadores do TRF-2 deram uma lição ao Supremo Tribunal Federal. Ensinaram o seguinte: quando a Justiça não faz da roubalheira uma oportunidade para impor a lei, os tribunais viram uma oportunidade que os larápios aproveitam.
Presos na semana passada, os três xamãs do PMDB fluminense foram libertados por decisão da Assembleia Legislativa do Rio. Abriram-se as celas sem que ao menos o TRF-2 fosse comunicado sobre a revogação de sua decisão. Nesta terça-feira, ao discorrer sobre a encrenca, um dos desembargadores do tribunal, Paulo Espírito Santo, disse ter enxergado as imagens dos deputados deixando o presídio de carro, sem ordem judicial, como “um resgate de filme de faroeste”.
O doutor resumiu assim a cena: “Acabo de ver, na sexta-feira passada, algo que nunca imaginei ver na vida. Nunca vi uma coisa dessas. Não há democracia sem Poder Judiciário. Quando vi aquele episódio, que a Casa Legislativa deliberou de forma absolutamente ilegítima, e soltou as pessoas que tinham sido presas por uma Corte federal, pensei: o que o povo do Brasil vai pensar disso? Pra quê juiz? Pra quê Ministério Público? Pra quê advogado? Se isso continuar a ocorrer, ninguém mais acreditará no Judiciário. O que aconteceu foi estarrecedor. Que país é esse?”
O desembargador Espírito Santo não disse, talvez por cautela, mas o Brasil virou um país em que a Suprema Corte às vezes fica de cócoras quando o Poder Legislativo faz cara feia. Assim procedeu ao lavar as mãos no caso do tucano Aécio Neves, autorizando o Senado a anular sanções cautelares como a suspensão do mandato e o recolhimento domiciliar noturno. Conforme já noticiado aqui, o STF tinha a exata noção de que abria um precedente que não passaria em branco nos Estados.
O debate sobre as prerrogativas dos legislativos para revogar prisões e sanções impostas a parlamentares federais e estaduais ainda vai dar muito pano para a manga. No Rio, a maioria cúmplice da Assembleia não há de ficar inerte. Farejando o cheiro de queimado, outro desembargador, Abel Gomes, mencionou inclusive a hipótese de o TRF-2 requerer ao STF intervenção federal na Assembleia fluminense.
A confusão certamente chegará ao Supremo, oferecendo aos ministros a oportunidade de se reposicionar em cena. Sob pena de desmoralização do Judiciário. Na antessala das urnas de 2018, não restará ao brasileiro senão a alternativa de praguejar na cabine de votação: ''Livrai-me da Justiça, que dos corruptos me livro eu”.


Após parir Aécio, STF terá de embalar Picciani     
Josias de Souza
Apenas um brasileiro em um milhão é capaz de entender a confusão jurídica que o Supremo Tribunal Federal provocou ao lavar as mãos no caso de Aécio Neves. Mas basta entrar em qualquer boteco de Copacabana que a encrenca está lá. A coisa ferveu depois que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tentou sumir com o sabonete no caso que envolve o deputado estadual Jorge Picciani e Cia..
A procuradora-geral Raquel Dodge levou ao Supremo a queda de braço travada entre o Legislativo fluminense e a Justiça. Sustentou que a votação da Assembleia que anulou a prisão e a suspensão do mandato de três caciques do PMDB — já devolvidos à cela pelo TRF-2— ofende as leis e a Constituição. A doutora pede que a decisão da Assembleia do Rio seja anulada, esclarecendo-se que o veredicto do Supremo que favoreceu Aécio não vale para parlamentares estaduais.
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo autorizaram o Senado a devolver a Aécio o mandato e anular sanções impostas ao senador tucano por uma turma da própria Suprema Corte. Um ano antes, os ministros tinham decidido o contrário num processo envolvendo Eduardo Cunha. Afastaram-no da presidência da Câmara e do exercício do mandato. Por causa disso, Cunha foi cassado, preso e condenado por Sérgio Moro. Não saiu mais da cadeia.
Os ministros que estenderam a mão para Aécio sustentam que o Supremo não foi contraditório ao ignorar que tratara Cunha a pontapés. Faz sentido. Não é que a Corte máxima do Judiciário brasileiro seja incoerente, apenas possui jurisprudência múltipla. O frequentador de boteco também não é contra o roubo. O que ele não suporta é a ideia de continuar sendo roubado por aqueles que foram eleitos para representá-lo.
Embora não ignorassem que o refresco servido a Aécio seria replicado nos Estados, os ministros do Supremo reclamam do mau uso do precedente. Ainda não se deram conta do papelão em que se meteram. Magistrado que se queixa da aplicação da jurisprudência que ajudou a criar é como um comandante de navio que reclama do mar.
O Supremo terá de operar uma mágica retórica para atender aos pedidos da procuradora-geral Raquel Dodge. São conhecidas as histórias de gente tirando gênios da garrafa. Mas ainda não se ouviu nada a respeito de gente obrigando o gênio a fazer o caminho de volta.
Quem pariu Aécio que embale Picciani. Não será simples. É como se o cozinheiro de um botequim prometesse desfritar um ovo na frente dos frequentadores do estabelecimento. Como ninguém conseguiu realizar semelhante façanha, os magistrados logo perceberão que a respeitabilidade do Judiciário é como a virgindade. Perdeu está perdida. Não dá segunda safra.

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