Ao livrar da cadeia três parlamentares soterrados por evidências de corrupção, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro consolida um fenômeno ruinoso. Está entendido que o Congresso Nacional e os legislativos estaduais tornaram-se tribunais de exceção.
Elaborada nas pegadas da queda da ditadura militar, a Constituição de 88 cercou os parlamentares de imunidades que protegiam o exercício do mandato. Os autores do texto constitucional não poderiam supor que o antídoto da imunidade viraria no futuro o veneno da impunidade. O Supremo Tribunal Federal poderia colocar ordem na gafieira. Mas preferiu atravessar o samba ao omitir-se no caso de Aécio Neves. Uma maioria de cúmplices e de compadres devolveu ao senador tucano o mandato e a liberdade noturna que a 1ª Turma da Suprema Corte havia cerceado.
Estabeleceu-se a partir de Brasília uma atmosfera de vale-tudo que anula o movimento benfazejo inaugurado pela Lava Jato. Tinha-se a impressão de que o Brasil ingressara numa nova fase - uma etapa em que todos estariam submetidos às leis. Devagarzinho, o país foi retomando a rotina de desfaçatez. Brasileiros com mandato continuam se comportando como se não devessem nada a ninguém, muito menos explicações.
Congelaram-se as investigações contra Michel Temer. Enfiaram-se no freezer também as denúncias contra os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha. Enquanto Curitiba e Rio de Janeiro produzem condenações em escala industrial, a Suprema Corte não sentenciou um mísero réu da Lava Jato. Em vez disso, preferiu servir refresco a Aécio Neves, instalando nas Assembleias Legislativas um clima de liberou geral que resulta em absurdos como o que se verifica no Rio.
Transformados em tribunais de exceção, os legislativos conspurcam a democracia. Neles, políticos desonestos livram-se de imputações criminais não pelo peso dos seus argumentos, mas pela força do corporativismo. Simultaneamente, a sociedade é condenada ao convívio perpétuo com a desonestidade impune. Fica-se com a impressão de que a turma do estancamento da sangria está muito perto de prevalecer.
Bretas: STF pode criar ‘pessoas imunes’ às leis
Marcelo Bretas, juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro, fez uma avaliação ácida da decisão do Supremo Tribunal Federal que transferiu para o Poder Legislativo a palavra final sobre punições cautelares impostas a parlamentares. A despeito de toda a cautela que seu ofício impõe, o magistrado declarou: “Não posso comentar decisões do STF. Mas faço uma análise política do dia a dia das investigações criminais. A impressão que tenho é que essa situação, aliada ao foro privilegiado, poderia criar categorias de pessoas imunes ao Direito Penal”.
As declarações de Bretas foram feitas em entrevista publicada na edição desta sexta-feira (17) de O Globo. A conversa ocorreu antes da deflagração da operação Cadeia Velha, que resultou na prisão de três cardeais do PMDB fluminense: os deputados Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Edson Albertassi e Paulo Melo. Sem saber, o juiz soou premonitório, pois o Legislativo estadual ameaça anular a ordem de prisão e a suspensão do mandato dos três parlamentares. Solicitadas pela Procuradoria, as providências foram deferidas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região nesta quinta-feira (16).
Para atenuar os constrangimentos, Picciani, Albertassi e Melo entregaram-se à Polícia Federal pouco depois do veredicto do TRF-2. Passaram a noite no xadrez em que está preso o ex-governador Sérgio Cabral, da mesma facção partidária. Mas não devem permanecer por muito tempo atrás das grades. Conforme já noticiado aqui, os colegas de legislativo começaram a tramar a anulação das sanções impostas aos três antes mesmo do término da sessão do TRF-2. Embalada pelo exemplo do Senado, que anulou sanções impostas a Aécio Neves (PSDB-MG), a Assembleia do Rio equipou-se rapidamente para tentar deliberar sobre a matéria ainda nesta sexta.
Ficou surpreso com o tamanho do esquema de corrupção no Rio?, perguntou-se a Bretas. E ele: “Posso falar sobre o processo da Operação Calicute, que já foi julgado. O que me assustou, naquele caso, foi a extensão e a capilaridade. Parece que tem mais gente envolvida. É uma metástase. A cada hora surgia um personagem novo”.
Bretas considerou “um absurdo” a hipótese de aprovar no Congresso uma nova lei restringindo as delações. Projeto de lei em tramitação na Câmara proíbe, por exemplo, réus presos de negociarem acordos de colaboração judicial. “Restringir a delação é um absurdo”, disse o juiz. “Para quem está colaborando, é um direito de defesa. Não se pode restringir esse direito a pretexto de proteger investigados”.
Para o juiz, há uma reação política à Lava Jato. “Tem e sempre terá”, declarou, antes de fazer uma distinção entre dois tipos de encrencados: “O empresário que se corrompe, que tem uma unidade produtiva, sabe que pode se reerguer. Mas o político corrupto não tem vida própria, é um parasita. Se tirar o poder dele, vai morrer de fome. Grande parte dos colaboradores, normalmente, são empresários. Quem está lutando contra, normalmente, é agente público envolvido com corrupção”
Instado a comentar os diversos habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, para rever decisões suas, Bretas soou como se quisesse realçar sua consciência tranquila: “Sou proibido de fazer comentários sobre decisões de tribunais superiores. Mais importante do que receber decisão contrária de instância superior, é ter a tranquilidade de que se trata de uma decisão puramente técnica e imparcial”.
Bretas comentou também a tese do ministro Luís Roberto Barroso, desafeto de Gilmar no Supremo, segundo a qual está em curso uma ‘operação abafa’ da Lava Jato. “Confio na percepção dele e concordo plenamente. Exemplos disso são as leis aprovadas na madrugada. Desconfio que, na véspera dos feriados de fim de ano, haja tentativa de aprovar mais leis que dificultem as investigações”.
Sobre a possibilidade de o Supremo rever a regra que abriu a porta da cadeia para corruptos condenados em segunda instância, Bretas afirmou: ''Respeito qualquer decisão, porque o Supremo é digno de todo o meu respeito e obediência. A prisão após condenação em segunda instância foi um golpe muito grande na corrupção. Quando o tribunal confirma a sentença condenatória, os recursos disponíveis à defesa já não têm efeito suspensivo, então a decisão tem que ser aplicada…”
Pedidos de bloqueio realçam a fortuna de Lula
O maior problema político de Lula não é o fato de ele ter ficado parecido com os políticos que atacava. Seu principal drama é a evidência de que Lula ficou muito diferente do que diz ser. Num instante em que Lula percorre o país como defensor dos pobres, a Procuradoria pede, em Brasília, o sequestro de seus bens e de seu filho Luís Cláudio no montante de R$ 24 milhões. A defesa de Lula contestou o pedido. Sustentou não haver provas contra ele na Operação Zelotes. Mas não disse nenhuma palavra sobre o valor requerido pelo Ministério Público Federal.
Lula atravessou ileso o escândalo do mensalão. Sobreviveu à ruína produzida por sua criatura Dilma Rousseff. Alvo de diversos inquéritos e ações penais, mantém a pose de perseguido. Condenado a 9 anos e meio de cadeia, conserva-se no topo das pesquisas. Mas deve tornar-se inelegível. E já perdeu aquela aura de político imbatível. Seu prestígio diminuiu na proporção direta do aumento do seu patrimônio.
Este não foi o primeiro pedido de bloqueio de bens. Sérgio Moro mandara sequestrar R$ 10 milhões em julho. Quando o Banco Central achou R$ 600 mil numa conta corrente de Lula, o PT disse em nota que seu líder supremo morreria de fome. No dia seguinte, descobriram-se mais de R$ 9 milhões em planos de previdência privada. Lula dizia ser um palestrante de sucesso. Mas delatores da Odebrecht informaram que as palestras eram mero truque para bancar com dinheiro sujo os confortos de um benfeitor. A fortuna de Lula não combina com os valores morais que ele acha que representa.
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