Na sequência abaixo é um desalento para um país que clama por estabilidade jurídica e pelo fim da impunidade de seus cidadãos mais poderosos.
• No dia 11 de outubro, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por 6 votos a 5, decidiu que cabia ao Senado a palavra final sobre as medidas cautelares aplicadas contra o senador Aécio Neves, flagrado achacando em 2 milhões de reais um empresário bilionário.
• No dia 17 de outubro, com base na decisão do STF, o Senado, por 44 votos contra 26, derrubou as medidas cautelares, entre as quais constava o recolhimento noturno do senador, e devolveu-lhe o mandato parlamentar.
• No dia 24 de outubro, depois de assistir ao que transcorrera em Brasília, a Assembleia Legislativa em Cuiabá, por unanimidade, soltou o deputado Gilmar Fabris, preso havia quarenta dias depois de ser filmado fugindo da polícia. De pijama, com uma maleta na mão.
• No mesmo dia, igualmente inspirada no que se passara em Brasília, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, por 19 votos a 1, revogou decisão do Tribunal de Justiça e devolveu o mandato ao deputado Ricardo Motta, acusado num caso de desvio de 19 milhões de reais.
• No dia 17 de novembro, chegou a vez da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que, por 39 votos contra 19, além de uma abstenção e onze ausências, libertou o presidente da Casa, Jorge Picciani, mais dois colegas, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos presos sob acusação de corrupção.
• No dia 21, cinco juízes do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, voltaram a mandar prender o trio de deputados estaduais do Rio de Janeiro. Eles retornaram à prisão no mesmo dia e estão recolhidos na cadeia pública de Benfica, na Zona Norte da cidade.
A balburdia, como ilustra a cronologia acima, começou quando o STF se curvou às pressões do Senado e reinterpretou as leis de modo a aliviar as punições contra o senador Aécio Neves. A senha do alivio percorreu os parlamentos do país como um rastilho de impunidade. Alega-se que assembleias legislativas e câmaras de vereadores estão fazendo uma leitura abusiva da decisão do STF, mas o episódio deixa uma lição inequívoca: O Supremo enredou-se nas malhas do foro privilegiado, reeditou seu entendimento anterior das leis para beneficiar um senador outrora respeitado – e o país agora paga o preço da instabilidade.
Está nas mãos do Supremo retomar o bom caminho.
*Fonte: Carta ao leitor – Veja – edição 2558, de 29.11.2017.
Assim não dá*
Giuliano Guandalini
Estudo do Banco Mundial expõe o custo elevado dos servidores públicos brasileiros – e como os seus privilégios agravam a desigualdade de renda no país
Todos são iguais perante a lei. Assim se lê na abertura do artigo 5° da Constituição da República do Brasil, promulgada em 1968. Mas essa mesma Constituição criou uma classe específica de brasileiros: os servidores públicos. Ao contrário da avassaladora maioria dos brasileiros, eles ganharam o direito de se aposentar recebendo o valor integral de quando estavam na ativa - e isso sem falar nas gratificações. O privilegio foi concedido como maneira de ampliar o apoio à nova Constituição, que à época enfrentou a oposição feroz do PT e de diversos sindicatos, e também como instrumento para atrair profissionais qualificados para o governo.Com o passar dos anos, o custo dessa prerrogativa extrapolou os limites do razoável. Há 1 milhão de servidores federais aposentados e eles custam aos cofres públicos 77 bilhões de reais ao ano (ou 77 000 por beneficiado). No regime privado, há 29 milhões de aposentados que custam 150 bilhões de reais (pouco mais de 5 000 por beneficiado). Ou seja, proporcionalmente, um buraco muito menor).
Esse é apenas um dos desequilíbrios analisados no estudo do Banco Mundial intitulado “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do dogasto público no Brasil”, divulgado na semana passada. A parir de comparações internacionais, fica evidente como o governo brasileiro gasto muito- e mal. Pior, em vez de cumprirem o papel de favorecer os pobres e dirimir injustiças, os gastos públicos favorecem pessoas de rendimento elevado e contribuem para o aumento da desigualdade. A aposentadoria média dos trabalhadores da iniciativa privada é de 1240 reais e o teto é de 5.531,31 reais. No mundo da fartura do setor público, o valor máximo equivale ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de 33.763, mas existe muita gente que fatura acima do limite.
A desproporcionalidade não aparece apenas nas aposentadorias. Os servidores federais da ativa ganham, em média, 67% mais do que os empregados em cargos semelhantes no setor privado. É a maior diferença encontrada entre os mais de cinquenta países analisados.
Com 160 páginas, o estudo foi encomendado por Joaquim Levy, então ministro da Fazenda, em 2015. Os autores sugerem uma série de reformas e corte de subsídios que poderiam resultar em uma economia equivalente a 8% do PIB (mais de 500 bilhões de reais). A divulgação do trabalho veio a calhar para Michel Temer, que tenta emplacar a reforma da Previdência com o argumento de que é necessário extinguir privilégios. Será um ganho para o país se, nesta batalha, Temer for bem sucedido.
*Fonte: revista Veja – edição 2558, de 29.11.2017.
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