domingo, 11 de dezembro de 2016

Pedaladas jurídicas*


     No ano em que a presidente da República caiu, o presidente da Câmara caiu e o presidente do Senado balança, o Supremo Tribunal Federal, essa casa de 125 anos que já atravessou períodos de exceção, estado de sitio, ditadura, democracia e seis Constituições, vinha sendo o porto seguro nas turbulências da crise. Na semana passada, como que acometido de um surto, o STF abandonou a posição de pedra angular da vida nacional e protagonizou um espetáculo bananeiro de meter vergonha em qualquer cidadão que aspira a viver em um país com instituições sólidas, previsíveis, respeitáveis, estáveis.
     O show começou com o ministro Marco Aurélio de Mello, autor de uma liminar que mandou afastar Renan Calheiros da presidência do Senado porque, sendo réu, não deveria ocupar cargo na linha de sucessão presidencial. A decisão, grave demais para ser tomada monocraticamente, tinha ainda base jurídica frágil, mas era o que era: a decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que, boa ou ruim, certa ou equivocada, existe para ser cumprida, e nada além disso. Ou pelo menos era o que se supunha até a semana passada.
     O senador Renan Calheiros, inconformado com a liminar, escondeu-se do oficial de Justiça para não assinar a notificação judicial e, junto com os demais colegas que compõem a mesa do Senado, decidiu-se pelo inacreditável: não cumprir a liminar. “É crime de desobediência ou golpe de Estado”, disparou o ministro Luis Roberto Barroso. “É deboche institucional”, completou o próprio ministro Marco Aurélio Mello, cuja decisão, repita-se, não comportava alternativa que não a de ser obedecida.
     Eis que o plenário do Supremo Tribunal Federal se reuniu para analisar a liminar e, surpreendentemente, plantou outra bananeira no jardim nacional das arbitrariedades. Por 6 votos a 3, manteve o senador Renan Calheiros no posto, mas retirou-o da linha de sucessão presidencial, aplicando uma constrangedora pedalada jurídica, e não tomou conhecimento da atitude inaceitável do senador de não cumprir a decisão judicial. O Supremo curvou-se a Renan.
     Ainda se disse, e mais se dirá, que o STF pensou no país ao pacificar-se com o Senado. Ninguém duvida que pensou, mas encontrou uma solução que arranha sua biografia e faz suspeitar que estava certo quem disse um dia: “O STF é um arquipélago formado por onze ilhas incomunicáveis”. O Brasil merece mais que isso.
*Texto de Carta ao Leitor da revista Veja.
 
Meu comentário: os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil cometeram este ano três pedaladas: a pedalada fiscal de Dilma Rousseff; a pedalada constitucional conjunta do legislativo com o judiciário, quando Renan e Lewandowski, contrariando a Constituição Federal, decretaram o impeachment de Dilma sem tirar-lhe os seus direitos políticos; e, finalmente, a pedalada do STF que retirou Renan da linha de sucessão presidencial, mas o manteve no posto de Presidente do Senado.
Há um célebre ditado que diz o seguinte: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Depois dessa decisão do Supremo, o ditado acima ficou desmoralizado: agora “Manda quem pode, desobedece quem tem juízes”.

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