terça-feira, 21 de março de 2017

A morte de Roque Camêllo


Jornalista Mauro Werkema

Em memória
     A morte de Roque Camêllo nos deia um sentimento que transcende a tristeza pela perda do homem cordial e culto, professor e educador, historiador, político, cidadão exemplar, com elevado senso ético, incansável defensor de Mariana e seu patrimônio cultural e cívico. Fica-nos a sensação de que perdemos um dos mais distintos e marcantes vultos da mineiridade, traço que distingue os mineiros na história do Brasil por características singulares muito próprias das cidades históricas e particularmente de Mariana, cidade matriz de Minas, primeira capital e vila, entre muitas primazias na formação da nacionalidade brasileira.
    
     Roque era um desses mineiros de que nos falam Drummond e Guimarães Rosa também saudosos da velha Minas, educados nas tradições humanistas dos seminários de Mariana e do Caraça, que formaram gerações de mineiros e onde o ensino clássico moldou identidades, condutas e exemplos, de que já não temos muito mais.
    
      Roque foi presença marcante em todos os momentos em que se discutiam a cultura mineira e suas questões. Deixa fecunda trajetória de realizações. Propôs à Assembleia Legislativa o 16 de julho como Dia de Minas, data de fundação de Mariana em 1696. Presidia a Academia Marianense de Letras, de fecundas sessões, púlpito de solene oratória e erudição, honrando a memória de homens como os inconfidentes Cláudio Manoel da Costa e o cônego Luis Vieira da Silva ou o historiador Diogo de Vasconcelos. Dirigiu a Fundação Cultural da Arquidiocese de Mariana, que restaurou o antigo Palácio dos Bispos e criou o Musica, que guarda raridades da Minas colonial. Liderou seminários para discutir o desenvolvimento de Mariana além da mineração. Desapropriou terras para implantação de um geoparque, museu aberto da mineração do ouro. Publicou, em 2016, “Mariana: Assim Nasceram as Minas Gerais”, em que mostra seu amor e zelo por Mariana. E muito mais.
 
     Idealista, vereador quando jovem, estimulado pelo amigo, o arcebispo dom Luciano Mendes de Almeida, Roque elegeu-se prefeito em 2009. Relatava, mais tarde, sua decepção em depoimento que retrata as mazelas da função pública no Brasil. Admirado pelos marianenses, cultuado pelos muitos amigos, Roque Camêllo se destaca entre tantos nomes da cultura mineira por seus atributos de cidadão e pelo amor aos valores de Minas e a suas heranças culturais.
 
     Roque é, sobretudo, por sua personalidade e obras, um mineiro forjado pela singular convergência de fatores históricos e sociológicos de uma época e ambiente únicos, na vetusta Mariana, onde Mário de Andrade encontrou, em 1919, o simbolista Alphonsus de Guimaraens, juiz e poeta amargurado, na imponente rua Direita, onde se ouvem os sinos da Catedral da Sé, no Angelus, ao fim do dia. E descobriu a Minas setecentista, histórica e cívica, que daria inspiração ao pensamento modernista no Brasil.
 
     Ao Roque, nossa homenagem e agradecimento.
 
Fonte: Artigo publicado no jornal "O Tempo", de 21.03.2017.

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