domingo, 8 de julho de 2018

Celibato: um dilema sacerdotal


Cansados da Solidão*

Em dois anos, mais de duas dezenas de padres católicos migraram para a Igreja Anglicana. A obrigação do celibato é, quase sempre, o motivo principal da mudança

   Autor desta matéria jornalística na revista Veja, João Batista Jr escreveu que todo aquele que é ordenado padre faz três votos fundamentais e obrigatórios até o fim da vida religiosa: a obediência, a pobreza e a castidade. O objetivo é que o corpo, frágil em sua essência, não sirva às necessidades pessoais, mas tão somente à vocação de pregar a palavra de Deus. A prática, no entanto, mostra sobretudo o terceiro item configura um desafio ao qual muitos homens de fé terminam por sucumbir.Em toda a história da Igreja Católica, 39 papas se casaram ou tiveram filhos – incluindo o primeiro deles, Pedro. Dos 39 papas que constituíram família, mais da metade (outra vez, Pedro entre eles) o fez sem atentar contra o decoro do sacerdócio. Isso porque a primeira menção ao celibato se deu só no início do século IV, no Concilio Regional de Elvira, na Espanha. “A regra nasceu da constatação empírica de que os clérigos sem família tinham maior dedicação à Igreja”, diz Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo, biólogo e coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP).
    
   Na Idade Média, a situação ganhou novos contornos. A castidade passou a ser, além de uma medida prática, um instrumento para atender às conveniências de uma instituição cada vez mais rica.
Ao evitar que religiosos viessem a ter herdeiros, a Igreja também reduziu as possibilidades de ver dissipado o seu crescente patrimônio. O Segundo Concílio de Latrão, em 1139, ampliou o celibato para todo o Ocidente. Séculos depois, em 1563, no Concílio de Trento, estabeleceu-se que o rompimento do voto de castidade devia ser punido com a excomunhão. O celibato, como expressão de dedicação à divindade, existe também entre os monges budistas. Mas, entre as grandes religiões, a única a exigir a abstinência sexual é a católica romana. O judaísmo, o islamismo, as igrejas protestantes e evangélicas permitem a construção da família entre seus líderes. Mesmo os católicos orientais, como os maronitas, aceitam a ordenação de homens casados, com a única ressalva de que não podem ascender a bispos.
 
Pois o não cumprimento do celibato, esse voto que se aprofundou com o correr dos séculos, tem sido o motor de uma crescente revoada de religiosos católicos para outras igrejas. Para a grande maioria desses ex-padres, o fracasso em seguir as regras do celibato foi fundamental para a sua despedida do catolicismo.
 
O crescimento anglicano tem sido observado em países como Estados Unidos, sobretudo entre os jovens. O motivo é a cartilha menos conservadora da Igreja, que aceita, por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O anglicanismo – fundado pelo rei Henrique VIII (1491-1547), que rompeu com Roma depois de ver negado pelo papa seu pedido de anulação do casamento com a rainha Catarina de Aragão para unir-se a Ana Bolena – prevê a observância dos sete sacramentos, a crença nos santos e na Santíssima Trindade. Mas seus sacerdotes não serão obrigados ao celibato, defendem o uso de contraceptivos e realizam casamentos entre divorciados. Em 2009, o papa Bento XVI autorizou que reverendos anglicanos, casados e com filhos, pudessem ser ordenados padres.
 
Desde então, da mesma forma que ex-padres são bem-vindos à Igreja Anglicana, ex-reverendos podem migrar para a Católica. Não surpreende, porém, que, por enquanto, esse último fluxo não tenha a intensidade do primeiro.
*Fonte: revista VEJA – edição 2589, de 04.07.2018.

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