sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O prazo de Mariana

Mauro Bomfim*

Não raro advogados arrancam fios de cabelo da cabeça atormentados pelos prazos processuais. Aqueles que militam na área penal sabem muito bem que é diminuto, por exemplo, o prazo de oposição de embargos declaratórios em face da sentença ou de acórdão.
Quarenta e oito horas.
Nada, porém, mais impressionante que alguns prazos do direito eleitoral, para a minoritária corrente de advogados que abraçaram a militância nesse campo. Prazos de 24 horas, contados minuto a minuto. Os aparelhos de fax dos cartórios que de repente estão quebrados ou danificados, queda de energia elétrica, cartórios eleitorais que não certificam o inicio da transmissão do fax ou certificam que foi depois do prazo. Enfim, advogados vivem por isso pesadelos homéricos.
E a parte também sofre pelo prejuízo de levar pela cara uma intempestividade, com conseqüências desastrosas, por exemplo, de transitar em julgado uma sentença do juiz eleitoral que decretou a cassação do mandato eletivo, do diploma ou do registro da candidatura. Prazo em processo é fatal, mortificante, ponte dinamitada, caminho sem volta.
O caso de Mariana é um dos mais emblemáticos. O Ministério Público Eleitoral abre uma representação contra o candidato a prefeito Roque Camêllo e seu vice, antes das eleições. Nada de corrupção eleitoral, nada de compra de votos, nada de ato ilícito, é bom que se esclareça. Mas sim uma reunião no Clube Guarany onde estavam professores e especialistas na educação. O juiz eleitoral acolhe a representação e cassa o registro de Roque e seu vice Zezinho Salete alegando “influência no consciente coletivo dos professores”. Algo kafkiano, surrealista, bizarro. Como se especialistas em educação, inundados diariamente por um grande volume de informações pela Internet e outros meios de comunicação, pessoas que precisam reciclar de forma permanente para ministrar o ensino, sejam influenciados em seu “subconsciente coletivo”.
A sentença é entregue no cartório eleitoral numa sexta-feira, 15 de agosto de 2008, às 18,15, feriado de assunção de Nossa Senhora. Intimou-se por fax a pessoa de Ronaldo Augusto da Costa, o Baby, representante da coligação. Mas desde o dia 23 de julho o advogado José Celso dos Santos já havia arquivado em cartório, conforme permite resolução do TSE, procuração para ser intimado de todos os atos relativos ao processo eleitoral, inclusive representações e ações de um modo em geral.
Não houve ciência inequívoca da intimação pelo procurador legalmente habilitado nos autos, pelo que, sob qualquer hipótese, foi atendido o prazo de 24 horas, uma vez que o recurso eleitoral foi entregue no cartório de Mariana às 17,59 m de segunda, dia 18 de agosto de 2008, data em que o procurador José Celso teve ciência efetiva da sentença.
O recurso eleitoral é recebido pelo juiz eleitoral como tempestivo, o Ministério Público Eleitoral o contraria, sem nada argumentar quanto ao prazo. Na sessão de julgamento do TRE, a procuradoria regional eleitoral levanta a questão do prazo, como matéria nova. Causa surpresa para a defesa. Este advogado vai à tribuna e rebate. Instaura-se a celeuma. O Pleno do Tribunal considera tempestivo o recurso, com o argumento de o rito aplicável foi o do artigo 22, da LC 64/90 e não o rito do artigo 96 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), este que se reportava ao prazo de 24 horas. O mérito é amplamente favorável a Roque Camêllo. De fato, reconheceu a Corte Eleitoral Mineira, não há de se falar em captação vedada de sufrágio em razão de uma simples reunião de professores em que candidatos expõem suas propostas para educação.
O Procurador Regional Eleitoral e a segunda colocada no pleito majoritário de Mariana recorrem para o TSE, onde a matéria está posta para julgamento. Com certeza, não será lógico imolar o direito em pira incandescente de casuísmo processual. Direito, conquista subjetiva, tem primazia sobre o processo, que é forma. Como já disse o professor Anis Leão, em notável artigo sobre o tema, estamos diante de um prazo sem prazo. Rito do artigo 22 da LC 64/90.Prazo de 05 dias para defesa, instrução, alegações finais das partes. Prazo geral do Código Eleitoral de 03 dias. E a maratona de 500 metros repentinamente passa para 100 metros no meio da corrida. Impõe-se prazo de 24 horas.
Por que não dizer da Emenda Constitucional nº 45/2005, que acrescentou como princípio fundamental o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Magna estabelecendo “prazo razoável do processo?” Norma que serve para a celeridade, duração razoável do processo, mas também para assegurar prazo razoável às partes, do qual não se compadece prazo exíguo de 24 horas.
A solução? Veio agora com a novel e recentíssima Lei Federal nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, que uniformizou em três dias todos os prazos dos recursos eleitorais, em qualquer situação.
Em se tratando de processo punitivo, mesmo de natureza eleitoral, mas com cláusula extra-penal, eis que a ação poderia resultar na grave sanção de perda de função pública, entendo que a lei retroage aos processos em curso para beneficiar acusados. A nova lei salva todos os atores do processo eleitoral da cilada bíblica do Salmo de Davi: “O abismo atrai abismo.”
*Mauro Bomfim é advogado especialista em Direito Eleitoral.

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