Órgão Arp Schnitger, da Sé de Mariana, mantém agenda de concertos graças à dedicação de Elisa Freixo e Josinéia Godinho. Infiltrações ameaçam a integridade do instrumento.
Ailton Magioli A musicista Elisa Freixo anuncia a retomada do uso do órgão nas missas e festas litúrgicas, destinação original do instrumento do século 18. Mariana – Faça chuva, faça sol, Elisa Freixo e Josinéia Godinho se alternam, semanalmente, no comando do Arp Schnitger nas manhãs de sexta-feira e domingo, na temporada de concertos do órgão da Sé de Mariana, a 115 quilômetros da capital. O famoso instrumento, doado pelo rei dom João V à diocese, no entanto, ressente-se das mudanças climáticas a cada nova estação, sofrendo com a passagem de ar pelas flautas, devido a fenômenos como, por exemplo, a umidade, que provoca inchaço na madeira. “Daqui a umas três, quatro semanas, tudo estará de volta ao lugar”, prevê Elisa, comemorando o fim da estação chuvosa, quando as notas emitidas pelos dois teclados do órgão, de 45 teclas cada, costumam aumentar ou baixar de som. No domingo, Elisa recebeu a plateia, formada de brasileiros e gringos, muitos dos quais curiosos, como sempre, com a complexa mecânica de distribuição do ar no instrumento, de origem alemã, cujas 1.039 flautas são organizadas em dois planos. “Para cada nota há uma flauta diferente”, destaca a organista, lembrando que os teclados produzem sonoridade com cor e volume diferentes, como se fossem um instrumento solando e outro fazendo a base. Feliz com a chegada do outono – a melhor estação para a temporada de concertos – a organista recorda que o verão é sempre ruim para o Arp Schnitger. Apesar da continuidade da agenda, elas jamais convidam instrumentistas nacionais e internacionais para tocar com elas no verão, para evitar que, a qualquer momento, uma nota se prenda em plena performance. Como ocorreu no primeiro concerto do ano, em 2 de janeiro, quando o cravista e organista paulistano Nicolau Figueiredo, radicado em Paris, enfrentou problemas com o instrumento. O primeiro convidado internacional do ano será o organista alemão Wolfgang Zehrer, de Hamburgo, que estará se apresentando na Sé de Mariana em setembro.
Em risco
A crescente infiltração nas paredes do coro da Sé de Mariana, vizinho à tribuna especialmente construída para abrigar o Arp Schnitger, um metro abaixo, deixa o arcebispo da cidade, dom Geraldo Lyrio Rocha, atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), inconformado. “É lamentável que um patrimônio tão precioso como este – a primeira catedral de Minas Gerais, das mais antigas do Brasil – esteja neste estado”, afirma o religioso, salientando que o comprometimento do imóvel tricentenário é culpa dos órgãos governamentais, que não liberam recursos para as obras necessárias. “Este ano tivemos muita chuva inclinada, que acaba entrando pelas torres do relógio (esquerda) e do sino (direita), a última, justamente a mais próxima do órgão”, repara Elisa Freixo, lembrando que, por ser feita de matéria viva (barro e madeira), a catedral acaba penando com a movimentação, que, por si só, deveria causar a permanente manutenção do órgão. À frente de uma campanha para pelo menos contornar a atual situação precária do imóvel, o pároco Nedson Pereira de Assis lembra que as intervenções emergenciais vêm sendo feitas pela própria paróquia, sob autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Além do reboco da torre do lado direito, o Iphan também liberou a revisão do telhado”, afirma o padre, antecipando que a pintura interna e externa da catedral também já teria sido autorizada pelo instituto. A verba para tal, segundo o religioso, estaria sendo doada pela própria comunidade. “Desde que aqui cheguei, ouço dizer que teria sido aprovado projeto para o restauro da igreja, que não se dá. Tudo que se tem feito aqui é única e exclusivamente por iniciativa da própria paróquia”, lamenta o arcebispo dom Geraldo Lyrio Rocha, há cerca de quatro anos na cidade. Uma lona providencialmente colocada sobre o fole do instrumento vem garantindo o perfeito funcionamento do Arp Schnitger na estação chuvosa, ainda que ela não seja a proteção mais adequada. O problema de infiltração mais grave, atualmente, está na linha do sino, do lado direito da catedral, oposto ao que o órgão está instalado. A última obra no imóvel, patrocinada pelo Iphan, data do período de abril de 1981 a dezembro de 1984. Procurada pela reportagem, a superintendência do órgão no estado não soube informar sobre a previsão de novos investimentos no imóvel.
Liturgia e arte Apesar de afastado da liturgia no Brasil, o instrumento, especialmente destinado à celebração de cultos, vai voltar a ganhar tal status na Catedral da Sé de Mariana, onde a organista Josinéia Godinho acaba de ser contratada para a função. “Junto virá o coral da catedral, cujas vozes ainda serão selecionadas”, anuncia, empolgada, Elisa Freixo, lembrando que a função principal do órgão sempre foi a litúrgica. Mesmo sendo uma peça histórico-museológica de suma importância para a primeira capital de Minas Gerais, o Arp Schnitger acabou ganhando função cultural em Mariana, onde foi instalado entre 1756-57. (...) Por mais incrível que possa parecer, a temporada de concertos da Catedral da Sé sobrevive da bilheteria. “Vamos entrar este ano com projeto na Lei Rouanet”, antecipa Elisa Freixo. Em Mariana há mais de uma década, onde chegou vinda de Hamburgo, na Alemanha, onde se graduou no instrumento, Josinéia Godinho recorda que na semana santa, e em circunstâncias especiais, o Arp Schnitger se manteve na função litúrgica. “Principalmente nas missas com corais”, destaca a organista, que rege o coro do seminário local.
História nobre
O órgão da Sé foi construído na primeira década do século 18, em Hamburgo (Alemanha), por Arp Schnitger (1648-1719), um dos maiores construtores do mundo desse tipo de instrumento. O órgão foi enviado inicialmente a uma igreja franciscana em Portugal e chegou ao Brasil em 1753, como presente da coroa portuguesa ao primeiro bispo de Mariana. Restaurado em 1984, o órgão Arp Schnitger é um dos atores principais da vida musical da cidade, acompanhando missas e celebrações litúrgicas, além de ser apresentado em concertos regulares e internacionais, que trazem ao Brasil organistas de renome mundial. Entre os instrumentos da manufatura Schnitger que sobrevivem até hoje, ele é um dos mais bem conservados e o único que se encontra fora da Europa, sendo alvo de estudos da Unesco para tombamento internacional.
*Fonte: jornal “Estado de Minas”, de 30.03.2011.
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