quarta-feira, 27 de julho de 2011

Os Gaveteiros*

Ao ensejo das comemorações dos 300 anos da Vila de Nossa Senhora do Carmo, hoje cidade de Mariana, transcrevemos abaixo a síntese da lenda “Os gaveteiros”, escrita pelo professor, historiador, jornalista e escritor Waldemar de Moura Santos, autor do livro “Lendas Marianenses” e fundador da Casa de Cultura de Mariana - Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes.
(...)
- Conhece você a origem dos “gaveteiros”?
- Não. Jamais a ouvimos.
- Pois então ouça.
“Mariana, Ouro Preto e Sabará, Vilas do Ouro de Minas Gerais, disputavam ardorosamente a primazia de Cidade. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em nome do monarca Dom João VI, para serenar os ânimos exaltados, prestes a estourar em guerra civil, propôs, inteligentemente, que cada Vila em prazo de seis meses que oferecesse maior quantidade de ouro às arcas do Reino de Portugal receberia as graças de cidadania e também as honras do episcopado. A original proposta foi aceita por unanimidade
Durante seis meses os mentores das Vilas disputantes se mobilizaram na faina de ajuntar maior quantidade do precioso metal. O tempo corria célere e a campanha se movimentava disputadíssima. Os dirigentes do movimento em Ouro Preto e Sabará usaram de todos os meios de propaganda. Arautos, regiamente remunerados, trombeteavam por todos os recantos os resultados obtidos para impressionar a opinião pública, enquanto Mariana conservava-se em silêncio. Discreta e vigilante.
Esgotado o prazo estipulado, em dia e hora, previamente marcados, em reunião ansiosamente aguardada, com a presença do alto mundo oficial, as três Vilas por seus delegados credenciados se apresentaram na Casa de Fundição, em Ouro Preto, para a entrega oficial do ouro recolhido. Foi uma reunião popular, onde predominou intensa expectativa em torno de algo extraordinário a explodir.
Apurou-se, primeiro, a contribuição de Ouro Preto que rendeu oito arrobas de ouro. Em seguida, verificou-se o recolhimento de Sabará que atingiu cinco arrobas. E, finalmente, apresentou-se Mariana só intensa expectativa da assistência, que aguardava com nervosismo o final da contenda. Um frenesi de comoção punha em suspense a curiosidade pública.
Conferido o saldo, a contribuição da primeira Vila somou a importância de doze arrobas de ouro em pó, que a malicia do marianense soube apresentar, depois de longo silêncio, deixando o desfecho para a derradeira hora. A decepção foi geral e as duas concorrentes não podendo controlar o desapontamento em torno do fracasso ruidoso e humilhante, sem outro recurso de defesa, recorreram ao sarcasmo, bradando com todas as forças dos pulmões.
- Gaveteiros, matreiros, maliciosos, sabichões, guardavam a língua dentro da gaveta e ajuntaram, sem ninguém saber, ouro a granel.
Derrota humilhante, sem precedentes na história.
O Governador imediatamente assinou o Decreto constituindo Mariana como primeira Cidade de Minas e, ao mesmo tempo, dando-lhe o “Áureo Trono Episcopal” para sede do primeiro Bispado de Minas Gerais.
Daí a origem de um epíteto, deturpado maldosamente, conferido a um povo que criou há mais de duzentos e cinquenta anos, legenda até hoje repetida por todos os povos do universo: “A palavra é de prata e o silêncio é de Ouro”.
Esta é a única e verdadeira origem do “Gaveteiro”, que os dicionários deveriam anotar para corrigir tantas aberrações inverossímeis, hipotéticas, fantasiosas, criadas pela imaginação dos eternos palhaços para desmerecer a integridade de um povo que conquistou a glória com muita inteligência, sabedoria e grande dose de malicia. Não houve, jamais, gavetões nas casas e igrejas para esconder comidas aos visitantes que chegavam. (...) ".
*Extraído do livro “Lendas Marianenses”, editado em 1966 pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais.

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