sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Com as bênçãos do monsenhor*

Carlos Herculano Lopes
Já dentro das comemorações do cinquentenário da Academia Marianense de Letras, que foi fundada em 1962 por Waldemar de Moura Santos, Alphonsus de Guimaraens Filho, Marly Moysés, Pedro Aleixo e outros, na semana passada, atendendo convite do seu presidente, o professor Roque Camêllo, e de sua esposa, Merania de Oliveira, estive novamente em Mariana, depois de vários anos sem aparecer por lá. Fui lançar meus dois livros – A mulher dos sapatos vermelhos, de crônicas, e o romance Poltrona 27 – que acabam de sair. Na ocasião, também na academia, seria aberta a exposição As caricaturas do Camaleão. Artista plástico dos melhores, nascido por acaso em Volta Redonda, no Rio, mas marianense desde sempre, atualmente é, entre outras coisas, o capista “oficial” da edição brasileira da revista americana MAD. Caricaturista original, dono de traço próprio, seus trabalhos estão espalhados pelo mundo.
Como a renda obtida com a venda dos livros seria revertida para as obras sociais do Lar Santa Maria, o professor Roque Camêllo, que é filho de antigas famílias marianenses, me levou para conhecê-lo. O convite, com antecedência, havia sido feito por José da Cruz, presidente da instituição. Depois de nos receber com a velha hospitalidade da terra, foi nos apresentar as dependências da casa, que fica no alto de um morro, do qual se descortina uma linda vista de Mariana. Foi ali, na hora de ir embora, que ouvi de uma das moradoras do Lar, como forma de agradecimento, a expressão “Monnnsenhorrhtteadjudee”, tudo falado depressa, com economia de palavras, como é bem típico dos filhos dessas gerais.
Não entendi nada. Mas como só podia ser coisa boa, disse “amém”. Naquela ocasião, depois de sermos também agraciados com belas canções, interpretadas por algumas das “meninas” da casa, ainda recebi de presente o livro Monsenhor Horta, de autoria da professora Augusta de Castro Cotta. Nas quase 300 páginas ela conta, com detalhes, a vida do religioso nascido lá mesmo em Mariana, no distrito de São José da Barra, no distante 1859. A sua “entrada no céu”, como poeticamente está escrito, se deu em 1933 e, desde então, ele é tido como santo pelos filhos da terra. O processo de beatificação já foi aberto.
Algumas horas depois, antes de ir para a Academia de Letras, onde seria realizado o lançamento dos livros e a exposição do Camaleão, resolvi dar umas voltas ao redor da Pousada Contos de Minas, onde estava hospedado. Comprei uma garrafa de água mineral, me assentei em um banco da praça, e estava ali bem distraído, olhando para os casarões, quando se aproxima um homem e pede um trocado. Como me simpatizei com ele, que tinha um sorriso dos melhores, peguei duas moedas de R$ 1 e as entreguei a ele. Feliz da vida disse, antes de se despedir:
“Monsenhorrhatteajudemeufilho”. O que será isso, meu Deus? De novo pensei, antes de voltar à pousada, tomar um banho e, finalmente, ir para a academia.
Foi ali, depois de conhecer o belo trabalho do Camaleão, que também ouvi, emocionado, jovens como Jailda Freitas e Agda Gomes – integrantes da Academia Infanto-Juvenil Marianense de Letras, que é coordenada pela professora emérita da Universidade Federal de Ouro Preto Hebe Rola – interpretarem textos de Alphonsus Guimaraens e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, além de um poema feito em homenagem ao Camaleão. A jovem atriz Ingrid Lara, com muita graça, leu uma das minhas crônicas do livro O pescador de latinhas. Dois jovens violeiros, Leonardo e Gustavo, nos brindaram com duas modas sertanejas.
Passadas as solenidades, quando finalmente o dinheiro obtido com a venda dos livros foi entregue a Aparecida Petrillo Araújo, voluntária do Lar Santa Maria, voltei a ouvir, novamente, um sincero “Monssssehooortateaudeeedêmaisemdobro”. Falado assim, ainda mais rapidamente, fiquei totalmente aturdido. O que vem a ser isso, meu Deus? Outra vez, sem conter a curiosidade, tornei a me perguntar. Horas depois, quando jantávamos na casa de Merania e do professor Roque, foi que ele esclareceu para mim, depois de uma sonora gargalhada: “O que todos quiseram dizer, meu caro, foi “Monsenhor Horta te ajude”. Tudo esclarecido, retornei então à pousada e fui dormir em paz. Com as bênçãos do monsenhor.
P.S.: Esta crônica é para Açucena, ou melhor, Evil Watermelon, em Mariana, pelo seu blog: leitorasanonimas.blogspot.com
A exposição com os trabalhos do Camaleão pode ser visitada até dia 26, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 17h, na Academia Marianense de Letras, Rua Frei Damião, 84, Centro, Mariana.
*Fonte: Caderno Cultura do jornal “Estado de Minas”, de 04.02.2011.

Um comentário:

Pense Direito disse...

Infelizmente, apertado com os afazeres diários, não pude participar do evento, pois passei pelo local no meio do evento sem "condições sociais" de participação, além do cansaço do trabalho.