Memória religiosa
Comecei a participar das atividades religiosas em Mariana em 1949, quando tinha apenas oito anos e fiz a primeira comunhão ao tempo que o Cônego Oscar de Oliveira era Cura da Catedral. Aprendi a ajudar missa ainda rezada em latim com o padre Vicente Dilascio, então vigário ecônomo da igreja do Carmo.
Posteriormente, ainda menino, eu trabalhei na Cúria Metropolitana, onde hoje está instalado o Museu Arquidiocesano, exercendo a função de mensageiro, sem remuneração. Posteriormente, nesse mesmo prédio, na parte de baixo, exerci o meu primeiro emprego, na tipografia de Agripino Claudino dos Santos, meu tio-avô, que editava a famosa e tradicional folhinha eclesiástica de Mariana. Como tipógrafo, ficava eu o dia inteiro imprimindo a folhinha numa velha máquina impressora. Quando tomou posse como 3º Arcebispo de Mariana, Dom Oscar de Oliveira adquiriu a tipografia do senhor Agripino e criou a Editora Dom Viçoso. Nessa empresa trabalhei com os primeiros diretores Cônego Pedro Terra Filho e Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho, continuando a imprimir a folhinha e a despachando pelo correio que a remetia pela ferrovia Central do Brasil para todo o país.
Apesar de minha proximidade com a cúpula eclesiástica da Arquidiocese, pois trabalhava ao lado do arcebispo Dom Helvécio Gomes de Oliveira e de seu auxiliar Dom Daniel Tavares Baeta Neves, nunca quis e jamais fui influenciado por eles para ser seminarista e me tornar um padre.
Na época, como coroinha, usando batina preta e sobrepeliz branca, eu ajudava os padres, cônegos e bispos a rezar a missa em latim, tanto na igreja do Carmo como na Catedral. Os coroinhas que ajudavam os cônegos na Sé a rezar o oficio litúrgico das Matinas e Laudes, diariamente, às 8 e às 15 horas, respectivamente, usavam batinas vermelhas e sobrepeliz branca.
Vivendo intensamente nesse ambiente religioso, eu tive o privilégio de pertencer à geração de jovens que assistiram uma das Semanas Santas mais bonitas de Minas Gerais, quiçá do Brasil. Era uma cópia fiel da Semana Santa realizada em Roma e presidida pelo Papa. Até o Concilio Vaticano II realizado na década de 1960, a Semana Santa era então rezada e cantada na língua ainda oficial da Igreja Católica, o latim.
Os ofícios de trevas, realizados na quarta, quinta e sexta-feira santa, eram prestigiados com a presença do bispo, do cabido metropolitano, de padres e seminaristas. Uma pena que, na época, décadas de 1940 a 1960, não houvesse uma filmadora para documentar as belíssimas cerimônias litúrgicas.
Além das comoventes cerimônias litúrgicas, o grande destaque da Semana Santa em Mariana, no meu entendimento, era a maravilhosa Scholla Cantorum dos Seminários Menor e Maior, regidas pelo Padre Ézio e Padre Maia, que, em forma de corais polifônicos, à capela, cantochão ou gregoriano cantavam os motetes. Naquela época até 1966, os dois seminários eram administrados pelos padres lazaristas.
O Oficio de Matinas e Laudes em ritmo de tristeza e profunda comoção, com três lamentações e mais seis lições era entoado até o belíssimo canto do Benedictus, momento esse em que se apaga a última vela do Candelabro, ficando o templo mergulhado em escuridão para o canto da agonia e do Miserere.
Como era maravilhoso ouvir O Vos Omnes, o Iesum Tradidit, o Iudas Mercator Pessimus, Una Hora, de Tomás Luiz Victoria; Adoramus Te Christe, de Giovanni Pierluigi da Palestrina; Ecce Vidimus, de Marco Antonio Ingegneri; os cantos gregorianos Parce Domini e Improperia.
Que saudades eu tenho do tempo em que as músicas sacras, além de maravilhosas, nos convidavam à profunda meditação e não à agitação como hoje!
O tempora! O mores!
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