Rafael Arcanjo Santos é historiador
A Casa Capitular de Mariana é um dos mais elegantes e imponentes edifícios rococós do Brasil. Tendo sido construída por iniciativa dos cônegos da sé, empenhados em possuir uma sede condigna para as reuniões do Cabido Metropolitano.
Isso decidido em 1765, o Capítulo (assembléia de dignidades eclesiásticas) solicitou do rei autorização para construir este monumento requisitando subsídios. A 24 de abril de 1769, a administração régia concedeu licença, mas deixou toda a responsabilidade financeira ao capítulo, argumentando, principalmente, que a vaga da sede episcopal deveria ter-lhe deixado capital suficiente para a construção do edifício. A 27 de maio de 1770, foi assinado o contrato com o mestre José Pereira Arouca, que se comprometeu a entregar as chaves ao Capítulo em 18 meses pela soma de 16 mil cruzados a 150 mil réis. O autor do risco do prédio é desconhecido. É bem provável que tenha sido elaborado em Portugal, considerando-se o intervalo de cinco anos entre a decisão de construir e o contrato de construção, além do caráter acentuadamente português do palácio, comparável aos solares de Braga. O autor do risco, portanto, não foi José Pereira Arouca, pois no dia 12 de junho de 1770 foi por ele solicitado uma petição para receber o projeto a fim de dar início aos trabalhos. As contínuas recusas da fazenda da Fazenda Real em contribuir para as obras foram, sem dúvida, responsáveis pela lentidão dos trabalhos de construção do edifício. O edifício é de caráter fidalgo e imponente, um dos mais belos sobrados de Minas.
Construído em alvenaria de pedra e cantaria aparente, o frontispício apresenta, no pavimento térreo, uma composição original: cinco vãos, sendo duas portas e três janelas intercaladas; vergas curvas, com cimalhas e ornatos laterais; as portas são almofadadas e as janelas com grades de ferro. No segundo pavimento, cinco portas-janelas, com balcões sobre bacias de pedra molduradas e com consolos; guarda-corpos de ferro e portais em cantaria ricamente trabalhada, com verga curta cimalha e moldurada, com ornato concheado central. O vão central encimado com uma cartela rica, com medalhão de Nossa Senhora, rodeada de estrelas, a Imaculada. A fachada é enquadrada pelos cunhais, encimadas por capitéis com ornatos lavrados. Um largo entablamento completa o conjunto. Todo o trabalho de cantaria e de escultura é de primeira ordem.
Criou-se a lenda de que a Casa tivesse sido outrora aljube, ou seja, a prisão dos padres. Tal não aconteceu, pois nunca houve aljube em Mariana. O primeiro bispo, Dom Frei Manoel da Cruz, solicitou à coroa, pouco depois de sua chegada do Maranhão, licença para construir um aljube, o que ficou apenas na intenção.
A Casa Capitular, iniciada em 1770, deveria ter sido construída rapidamente, pois entre as condições contratuais, estipulava-se o prazo de 18 meses para a conclusão. Os termos do contrato de construção constituem um documento precioso para o conhecimento das técnicas e da nomenclatura de materiais e termos ligados à construção.
No decorrer da construção do edifício, José Pereira Arouca, não se sabe por que motivo, interrompeu a execução dos trabalhos, que iam muito adiantados, em 1771. Mas, somente em 1793 é que o cabido resolveu mover uma ação contra o construtor. Os cônegos acabaram perdendo o processo, decisão final, em 1800, cinco anos depois da morte de José Pereira Arouca (21 de julho de 1795).
A obra foi terminada no final do século XVIII ou começo do século XIX, em data imprecisa. A reunião dos Cônegos da Sé aí teve durante muitos anos. Em 1926, por doação do cabido, o prédio passou para o domínio da Mitra Arquidiocesana, que ali instalou a Cúria Metropolitana e o seu arquivo. Em 1961, após a construção de prédio próprio, a Cúria Metropolitana transferiu-se para a sua sede definitiva à Rua direita. Em 1962, a Casa Capitular transformou-se em Museu Arquidiocesano, uma feliz iniciativa do Arcebispo de Mariana, Dom Oscar de Oliveira, recolhendo para esse prédio histórico as peças mais importantes que encontravam nas igrejas, no seminário e no próprio Palácio Arquiepiscopal.
O acervo do Museu Arquidiocesano, instalado na antiga Casa Capitular, consta de cerca de 1500 peças, incluindo pinturas, estandartes, imaginária, prataria, mobiliário, oratórios, talha em madeira, talha em pedra, relógios. É uma coleção de grande interesse, pois se presta a um conhecimento geral das obras de arte produzidas em Minas, nos séculos XVIII e XIX, tanto em relação a peças de uso religioso, como civil. Não se pode deixar de citar, entre as peças mais preciosas, o ostensório trazido de Portugal por Dom Frei Manoel da Cruz, o primeiro bispo de Mariana, que pesa sete quilos de ouro, incrustado de 160 pedras preciosas.
Encontra-se também na antiga Casa Capitular uma peça excepcional de escultura: o baixo-relevo que representa o episódio do Cristo e da Samaritana. Essa obra é, muito justamente, atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Era parte de uma fonte existente no jardim do palácio velho e a cena aí expressa nos mostra, no primeiro plano, com uma pequena carranca, de onde a água jorra; de um lado a figura de Jesus, sentado com o planejamento inconfundível do Mestre , bem como a atitude, a posição da cabeça, o tratamento dos cabelos e das mãos, que um único artista poderia criar. Do outro lado do poço, a graciosa figura da Samaritana, que traz o cântaro para dar de beber ao Cristo. Entre as duas figuras atrás do poço, um tronco de arvore que se transforma em rama. Em ultimo plano, dois homens discutem. O Aleijadinho não conseguiu resolver a perspectiva à maneira dos mestres florentinos Ghiberti ou Brunelleschi. Há, contudo, uma força primitiva e pura, quase ingênua, mas que consegue, nessa pequena área, um extraordinário efeito monumental. A cena é enquadrada por uma moldura rococó irregular nos concheados e rica de fantasia criativa.
A importância desse belo monumento histórico guarda um passado cheio de decisões meritórias do clero marianense nos destinos memoráveis do primeiro episcopado de Minas Gerais, relicário de um pretérito de glórias a veneranda cidade de Mariana.
Artigo extraído da Revista de Turismo nº 2 – Ano 1, ora transcrito em homenagem ao cinquentenário de fundação do Museu Arquidiocesano de Mariana ocorrido hoje, em 22.09.2012. e ao ano de centenário de nascimento de seu fundador Dom Oscar de Oliveira.
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