terça-feira, 2 de março de 2010

Carta aos tempos*

Mauro Werkema
Mariana e o triste retorno a um passado imobilista.

Por seu passado histórico, seu acervo cívico e humanístico, por condição de “Cidade Matriz” de Minas, com primazias em vários momentos da construção da “civilização mineira”, Mariana merecia ter melhor destino nos dias de hoje. Já deveria ser centro cultural e destino turístico forte e destacado nos contextos mineiro e brasileiro. Já poderia ter se consolidado como centro de serviços e universitário. Já deveria, sobretudo, efetivamente fazer jus ao epíteto de “Roma de Minas”, como centro de formação e difusão do pensamento católico. E muito mais. Infelizmente para todos nós mineiros, e não só os marianense, interrompe-se o esforço que se fazia nos últimos anos para vencer a letargia. Infelizmente para a região, para a cultura mineira, o turismo mineiro, para sua irmã e congênere Ouro Preto, para todos os que vínhamos assistindo, nos últimos oito anos, com justo e natural orgulho, o esforço da primeira capital de Minas, a Vila de N. S. do Ribeirão do Carmo, por soerguer-se e, finalmente, iniciar um novo percurso, em direção a um destino melhor, compatível com seu passado diferenciado e reverenciado nacionalmente.
É fato que Mariana sofreu décadas, salvo em um ou outro momento, gestões municipais que nunca compreenderam o significado e o valor da cidade. Gestões tacanhas, políticos medíocres, práticas coronelistas, envoltos em ações menores e paroquiais, situações várias vezes apontadas em estudos e diagnósticos que lamentavam este quadro. Entre os próprios marianenses, cidade fértil de escritores, pensadores e jornalistas, este quadro perverso sempre foi lamentado. Na verdade, a cidade só retirou-se um pouco da situação de imobilismo e extensão da pobreza pela presença das minas de ferro, que pagam um reduzido royalty de 2% (com vários descontos) aos municípios mineradores, e empregam um bom contingente de mão de obra semi-qualificada. Mas deve-se à atividade mineral a expansão desordenada da velha cidade, quase favelamentos.
Pois bem: a partir da primeira gestão de Celso Cota, Mariana começou a despertar. Não é necessário listar realizações. O fundamental é que Mariana parecia reencontrar-se com sua missão cultural e com a sua expressão econômica, que é o turismo. Várias iniciativas, em curso, levam nesta direção. A eleição de Roque Camêllo, professor, jurista, homem da Academia Marianense de Letras, forjado no antigo Seminário de dom Frei Manoel da Cruz, assegurava esta trajetória. Por sua formação cultural, sua abertura para o mundo atual, suas raízes de compromissos, sua militância em favor de Mariana, achávamos todos que estaria assegurado o percurso que levaria Mariana a um novo tempo. Sua eleição foi saudada por todos os que têm compromisso com o caráter mineiro e seus traços de austeridade, sobriedade, elevado espírito público, gosto pelo sentimento libertário. E, sobretudo, da visão da política como prática do bem comum.
Mas eis que um nebuloso processo judicial, já no inicio eivado de pura motivação política, derrubado no mérito no Tribunal Regional Eleitoral, é elevado a instância superior por uma tecnicalidade de prazo, já vencida, e acaba por retirar Celso Cota e Roque Camêllo da vida pública de Mariana, se não for corrigida esta situação pelo Supremo Tribunal. Retiram-se da vida pública de Mariana justamente suas duas maiores lideranças, notórias vocações políticas, comprometidas com a renovação e com o futuro, especialmente pela promoção dos valores e patrimônios herdados do passado.
A perversa decisão da cega Justiça, sem qualquer sombra de dúvida, tira de Mariana a chance de tornar realidade contemporânea o dístico que a honra na história: “Urbs celulla mater”.
Como ficam os muitos projetos em andamento com recursos do Programa Monumenta/Unesco/IPHAN? Como fica o Centro de Convenções, em fase final de implantação? E o Centro de Recepção Turística? E os projetos de três novos museus para Mariana? E os centros esportivos? E o programa de Mariana como novo destino de turismo cultural e de eventos e negócios? E a nova Prefeitura? Mas, e, sobretudo, como fica a imagem da cidade, com o inegável retrocesso? Teme-se o desmonte de todo este programa e que a nossa fraternal Mariana retorne ao imobilismo, ao atraso e ao obscurantismo.
*Fonte: jornal “O Liberal” nº 886, de 15 a 28.02.2010.

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