terça-feira, 31 de maio de 2011

Em defesa da gramática

Em entrevista concedida à jornalista Roberta de Abreu Lima e publicada nas páginas amarelas da revista Veja, Evanildo Bechara, um dos mais respeitados especialistas da língua portuguesa, condena os colegas que se insurgem contra a norma culta.
“O pernambucano Evanildo Bechara é um dos mais respeitados gramáticos da língua portuguesa. Doutor em letras e autor de duas dezenas de livros, entre os quais a consagrada Moderna Gramática Portuguesa, Bechara, 83 anos, passou décadas lecionando português, linguística e filologia românica em universidades do Rio de Janeiro, da Alemanha e de Portugal. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele é, por profissão, um propagador do bom uso do português. A fala mansa de Bechara contrasta com o tom incisivo de suas criticas a certa corrente de professores entusiastas da tese de que é preconceito linguístico corrigir os alunos. Diz Bechara: “Alguns de meus colegas subvertem a lógica em nome de uma doutrina que só serve para tirar de crianças e jovens a chance de ascenderem socialmente.
A defesa que o livro Por uma Vida Melhor distribuído a 500 000 estudantes ao custo de milhões reais para o bolso dos brasileiros, faz do uso errado da língua deveria ter provocado uma revolta maior, não?
A defesa que foi feita desse livro decorre de um equívoco. Estão confundindo um problema de ordem pedagógica, que diz respeito às escolas, com uma velha discussão teórica da sociolinguistica, que reconhece e valoriza o linguajar popular. Esse é terreno pantanoso. Ninguém de bom-senso discorda de que a expressão popular tem validade como forma de comunicação. Só que é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores. Ela é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências. A linguagem popular a que alguns colegas meus se referem, por sua vez, não apresenta vocabulário nem tampouco estatura gramatical que permitam desenvolver ideias de maior complexidade – tão caras a uma sociedade que almeja evoluir. Por isso, é óbvio que não cabe às escolas ensiná-la.
Quais as raízes do ranço ideológico brasileiro?
Vemos resquícios de um movimento que surgiu no meio acadêmico na década de 60, pregando a abolição da gramática nas escolas. Eram tempos de ditadura militar, período em que, por principio, se contestava qualquer tipo de norma ou autoridade. Para se ter uma ideia, agitava-se nas universidades a bandeira é proibido proibir. Isso ecoava nos colégios – um verdadeiro desastre. Foi nesse contexto que começaram a estudar no Brasil a sociolinguística.Em diferentes tempos e sociedades, os estudiosos sempre estiveram atentos aos diferentes usos da língua.O próprio Mattoso Câmara (1904-1970), a quem se atribui a introdução da linguística no país, já alertava para os perigos na confusão de papéis entre teóricos e professores.
Esse tipo de debate é levado a sério em algum outro país?
Nenhum país desenvolvido prega a desvalorização da norma culta na sala de aula ou inclui esse tipo de ideia nos livros didáticos. Esse desserviço aos alunos e à sociedade como um todo só encontra eco mesmo no Brasil.
Por que tantos brasileiros falam e escrevem tão mal?
O domínio do idioma é resultado da educação de qualidade. Isso nos falta de maneira clamorosa. O ensino de português nas escolas é deficiente. Uma das razoes recai sobre o evidente despreparo dos professores. É espantoso, mas, muitas vezes, antes de lecionarem a língua, eles não aprenderam o suficiente sobre a gramática. Além disso, não detêm uma cultura geral muito ampla nem tampouco costumam ler os grandes autores, como faziam os antigos mestres. A verdade é que a maioria não tem vocação para o magistério. Só escolhe essa carreira porque, quando chega o momento de ingressar na universidade, ela é uma das menos concorridas no vestibular. A situação do mercado de trabalho também conspira contra a permanência dos melhores professores nas salas de aula. Por falta de incentivos, muitos abandonam o magistério para se empregar na iniciativa privada como revisores, tradutores e editores”. (...)


Meu comentário: a exemplo do que acontece no Brasil, em Mariana já há também um movimento literário cujo nome, sugestivo e autoexplicativo, segundo os dicionários, significa “individuo que faz ou fala mal as coisas de maneira atabalhoada e confusa, uma espécie esdrúxula de literatura que veio para confundir e não para esclarecer. Em nome de duvidosa “criatividade”, professores e acadêmicos incentivam alunos a ofender a norma culta. Para esses intelectuais de araque, que tentam reinventar a roda da literatura, tudo que é tradicional e que deu certo em todas as áreas de conhecimento humano durante séculos hoje não vale nada. Quando eu estudei, durante o período de 1950/1970, causava muito constrangimento nos meios sociais e intelectuais pessoas que tinham o péssimo costume de falar o português errado. Hoje é chique falar e escrever errado. O MEC está torrando dinheiro público para convencer o povo brasileiro de que o bonito é falar errado o português no Brasil. É a famigerada praga petista infiltrada nas faculdades e universidades públicas e privadas matando o já precário ensino primário, secundário e superior do país. Um absurdo!

Um comentário:

António da Cunha Duarte Justo disse...

Aplauso, Doutor Evanildo Bechara!
De lamentar é o facto de colegas gramáticos e linguistas não reconhecerem por vocação científica o que Evanildo Bechara diz e não notarem que são mais fieis à ideologia do que à ciência. Enfim, a cegueira do tempo vale muito!
O latim popular e o latim erudito fizeram um caminho conjunto durante muitos séculos sem ter de uma maneira de ser-estar-falar na vida de negar a outra.
A atitude ideológica jacobina moralista, assumida pelo Zeitgeist e até por meios académicos, desqualifica e prejudica grande parte de temas discutidos.
António Justo