Alçado à condição de relator da comissão que estuda o novo projeto de Código Penal, o senador Pedro Taques (PDT-MT) já farejou o cheiro de queimado. Realizou uma pesquisa no noticiário. Verificou que cinco temas, por controversos, ganharam destaque nas manchetes. Envolvem o aborto, a maconha, as casas de prostituição, a eutanásia e a homofobia.
1. Aborto: Hoje, a interrupção da gravidez é legalmente permitida apenas em duas situações: quando decorre de estupro ou quando há risco à saúde e à vida da gestante. No projeto sugerido pelos juristas, formaliza-se a legalização do aborto de anencéfalos, coisa já reconhecida pelo STF. De resto, o texto chega muito perto da liberação indiscriminada do aborto. Nessa versão, o Código Penal deixaria de considerar o aborto como crime quando realizado “até a décima segunda semana da gestação.” Bastaria que um “médico ou psicólogo” constatasse “que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.” As chances de algo assim passar pelo filtro do Senado são próximas de zero.
2. Maconha: Na proposta dos juristas, deixam de ser crime a compra, o porte e até o cultivo de “drogas para consumo pessoal”. O texto anota a certa altura: “Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.” Quer dizer: o sujeito pilhado com maconha suficiente para cinco dias de fumaça deixaria de ser tratado pela polícia e pela Justiça como criminoso. Na prática, libera-se o consumo da droga. De novo, a hipótese de semelhante novidade furar o conservadorismo do Senado é zero.
3. Casas de prostituição: no velho Código Penal, o funcionamento de “casas de tolerância” e “lupanários” é tipificado como crime. No projeto dos juristas, deixa de ser. Parte dos senadores não convive pacificamente com a ideia de permitir que bordéis passem a operar sob a proteção da lei e do Estado.
4. Eutanásia: no projeto dos juristas, a prática continua sendo considerada criminosa. Mas sugere-se o abrandamento das penas. De resto, descriminaliza-se a ortotanásia. A diferença entre um procedimento e outro é sibilina. Condenada pelos médicos, a eutanásia é o aceleramento da morte de um paciente por meios artificiais. Admitida pelo Conselho Federal de Medicina, a ortotanásia é a não interferência dos médicos no processo natural de morte de um doente. Nos dois casos, presume-se que o paciente é portador de doença crônica e encontra-se em estágio terminal. Na eutanásia, age-se para acelerar a morte. Na ortotanásia, deixa-se de agir para prolongar artificialmente a vida. A proposta de novo Código autoriza expressamente o segundo procedimento ao anotar:
“Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.” Nesse ponto, a concordância da classe médica pode vencer resistência. Mas a aprovação, se vier, não será isenta de polêmica.
5. Homofobia: Os juristas sugerem que passe a ser considerado crime todo ato de discriminação em razão da opção sexual. Algo que deixa a bancada religiosa de cabelos hirtos. Numa tentativa de contornar as resistências, os autores do texto abstiveram-se de proibir os padres e pastores evangélicos de pregar contra o homossexualismo em suas igrejas. Ainda assim, remanesce a polêmica.
Em essência, são esses os temas cujo debate o relator Pedro Taques pretende postergar para evitar que contaminem o pedaço incontroverso da reforma do Código. A comissão que se dedica ao tema é composta de 11 senadores. O presidente é o senador Eunício Oliveira (PNDB-CE). O vice-presidente é Jorge Viana (PT-AC).
Pelo regimento, o colegiado tem até o final de setembro para transformar a proposta dos juristas num projeto em condições de ser votado pelo plenário do Senado. Esse prazo pode, porém, ser prorrogado. Algo que deve ocorrer. Se sobreviver ao debate do Senado, o novo Código Penal será enviado para a Câmara. Ou seja: além de envenenado, o debate será longo. Com otimismo, é coisa para dois anos. Com pessimismo, três ou quatro...
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